quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Carta aos eleitores de Tio Didi - O candidato que faz você ri


Hoje eu quero falar com você eleitor. Aliás, eleitor não. Permita-me chamá-lo de amigo. Sou do Partido da Unidade Mundial; o PUM. Nosso partido é contra o voto nulo, mas, caso você esteja realmente decidido em anular o voto, vote na nossa legenda. O número é fácil: 69. É só lembrar do marido brigado com a mulher. Disseram também que tem uma posição sexual com este nome (mas que PUM e a tal posição sexual não combinam). Aliás, muitos eleitores que tentam anular o voto acabam votando em um candidato do PDT. Todas as eleições um dos mais votados é o 12345. Veja, nosso partido é um partido sem muitos recursos. Note que o cartaz do nosso candidato a vereador foi feito no Paintbrush (assim como o logo deste blog) e a foto foi tirada em um buteco qualquer da nossa querida BH. Veja a sede do nosso partido:


É por isso que pedimos a contribuição de você que acredita nas nossas idéias. Clicando em um valor qualquer no alto à direita desta página ou comprando a rifa de um Escort XR3 por apenas R$5,00 você estará nos ajudando a levar nossas idéias adiante. Vamos limpar esse buraco sujo (falo da cidade, não do cu)!
Nós do PUM pensamos tanto em você, eleitor e amigo, que nem ocupamos tempo no horário da televisão. Sabemos a maioria não gosta do humorístico e quer que comece logo a novela das oito (nove). Até nisto a gente pensa em você. Ficamos tristes quando vemos na propaganda depoimentos assim:
- Ah, eu vou votar no Marcos Lanterna, porque ele tem as melhores idéias.
Não se iluda, meu amigo. Ele não tem as melhores idéias. Simplesmente é o único que tem tempo de TV para expô-las. Se outros dispusessem de igual tempo, mostrariam idéias muito mais do caralho.
A propósito, é impressionante como existem tantos candidatos e todos eles achando que têm chance de ganhar. E, como o tempo no ar é curto, às vezes não falam nada. Toda vez que vejo um cara destes no horário eleitoral, fico prestando atenção pra ver se ele pisca os olhos. Nunca sei se eles colocam a foto ou se filmam o candidato com cara de pastel, enquanto o narrador fala:
- Vote no João do Biscoito Quebra-quebra!
Ele pode ser popular na região onde mora, mas, a não ser que todo mundo da cidade vá à barraca dele comprar biscoito, não tem a menor chance. Mesmo que dê biscoito de graça para todo mundo. Um recurso que eles usam para ficar na cabeça do eleitor é usar uma riminha biscate:
- Vote com fé, vote em Luis Tibé.
Por falar em TV, é realmente um verdadeiro esbanjamento de dinheiro público aquelas propagadas sobre voto consciente. Oh sim, ter um prefeito ruim é como ter um mosquito dentro do ouvido ou ficar sapateando por quatro anos. É a mesma coisa. Excelente metáfora.
O que mais tem nos entristecido neste processo é que ainda existem pessoas que não acreditam na nossa candidatura:





O PUM, apesar do nome, é contra a poluição sonora e visual. Jamais você nos verá em carreatas pela cidade ensurdecendo moradores e comerciantes com frenéticas buzinas ou com jingles safados parodiando “A Festa”, de Ivete Sangalo. Faça como nossos (um) representantes: Quando vir uma dessas carreatas, emburaque-se nela (ui!) e mostre para todos o gesto do nosso partido (está no cartaz). Por acaso eu vou votar em algum candidato porque ele está me ensurdecendo? Não emporcalhamos ainda mais a cidade com cartazes e santinhos. Mesmo porque a prática é ilegal. Se alguém te oferecer um santinho destes na rua, faça como nossos (um) candidatos: Puxe o santinho da mão dele e diga:
- Olha, isso é ilegal, viu?
E faça uma cara bem amarrada. Ou então faça uma bolinha com o santinho e jogue na frente da pessoa que o está distribuindo. Se você for tímido, simplesmente finja que está falando ao telefone e que a ligação está ruim. Se for no trânsito, olhe para o distribuidor de santinhos, feche o vidro do carro e, assim que ele passar por você, abra o vidro do carro de novo. Sempre com a cara amarrada. O dia da eleição muito pior. Não dá pra ver a cor do asfalto. Isso porque boca de urna é ilegal. Lembra daqueles sorteios de programas infantis em que se tinha uma montanha de cartas e a apresentadora jogava um tanto e pegava uma? Dá pra brincar disso tendo-se os santinhos no lugar das cartas. Para mim, aquilo serve apenas para passar o tempo desenhando barba, óculos escuros, dente de vampiro, chifrinhos no candidato. Ainda mais se for o Marcos Lanterna, que tem a cara de capeta.
Convocamos todos para que levem sempre consigo um pincel atômico e façam como todos os nossos (um) afiliados: Escrevam ‘PORCÃO’ em letras garrafais em todos os cartazes de candidatos que encontrarem, para que vejam não podem emporcalhar a cidade para se auto-promoverem. O pior é que normalmente estes são os candidatos eleitos (já que só eles fazem propaganda). Se você não tiver dinheiro para comprar um pincel atômico, porque precisa do dinheiro para condução, pedimos então para que fique atento a qualquer trecho da Linha Verde onde o cimento ainda esteja fresco e siga o exemplo dos nossos (um) vereadores:


Não somos avessos à idéia de que as eleições sejam farsa. Pra início de conversa, você conhece ou já ouviu falar de alguém que tenha sido entrevistado sobre intenção de voto? É tudo balela, minha gente. Se é que realmente alguém foi entrevistado, como é que, de um grupo pequeno, se tira a conclusão de quem a cidade inteira vai votar? Essa história de margem de erro é uma das mais safadas invenções dos políticos. Principalmente com respeito a vereadores. Entrevistam 400 pessoas. Daí deve sair uns 350 nomes diferentes de vereador. Além de tudo, isso me parece trabalho de estagiário. Não custa nada esses estagiários terem respondido a tudo sozinhos em casa. Tá calor pra ficar na rua, né? Por isso muitas vezes vemos discrepância entre os números das pesquisas e o resultado oficial.
Eleitor amigo, não se iluda com as eleições eletrônicas. Dizem que o voto é seguro. Na verdade, pelo voto eletrônico fica muito mais fácil burlar uma eleição. Ou ninguém aí nunca ouviu falar em hacker? Os eleitores ficam lá fazendo papel de trouxas, achando que estão ajudando a eleger um candidato, sendo que a urna já está predeterminada a dar o número de votos que quiser a quem quer que seja. Ou você acha que Fernando Collor foi eleito senador porque a moçada acreditou que ele estava arrependido da cagada que fez?


Veja, já fui mesário e notei algumas coisas: Os votos são registrados em um disquete igual ao que você usava no seu computador. Ou seja, de qualquer computador pessoal alguém pode alterar os resultados. “Oh sim, não tem como burlar os votos do disquete. Ele tava com uma travinha contra gravação”. Pfff! Outra coisa que notei: Você entra na sua seção e mostra sua identidade. Seu RG é digitado numa maquininha que é ligada adivinhem onde? Na urna! Só depois que a maquininha dá um sinal é que a pessoa está liberada para votar. Resumo da ópera: Dá pra saber qual foi a ordem de eleitores que votou. Também dá para saber qual a ordem em que os candidatos foram votados. E ainda têm a petulância de falar que o voto é secreto. Tá, e eu sou o Bozo.
Você pode achar que é bobagem aquelas propagandas ensinando como é que se vota, aconselhando a fazer colinha e tudo mais. Mas você se impressionaria com o tanto de gente que realmente não sabe usar a urna ou que não sabe o número do candidato que deseja votar. Caso real:
Eleitor, com camisa do PMDB:
- Quem que tem pra votar pra presidente?
O mesário:
- Olha, pra presidente tem o Lula, tem o...
- Ah é? E qual que é o número do Lula?
- 45.
- Tá, já votei. Agora apareceu aqui senador.
- Vejamos, tem o Hélio Costa, tem também...
- E qual que é o número do Hélio Costa?
Às vezes o mesário tem que ir dentro da cabine para ensinar o eleitor burro a usar a urna:
- Pode deixar que eu vou digitando. Diga aí em quem você quer votar.
Oh sim, o voto é secreto. Secretíssimo. Se o mesário quiser colocar lá o candidato de sua própria preferência no lugar do eleitor, este último nem terá sabido disso. É isso o que acontece quando as seções eleitorais são organizadas em “zonas”.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Alex Dhiego, seu escravo

E a produção do The Didi’s Abatedourus não para de receber cartinhas de leitores querendo ter sua história contada na seção ‘Aconteceu comigo’. Bem, na história de hoje infelizmente não vai dar pra usar pseudônimos, já que o nome dos personagens é fator cabal para a trama. Este foi com um xará meu, o Diogo.
Desde que tinha se formado na faculdade de jornalismo, Diogo só tinha conseguido trabalhar em subempregos (mais subemprego do que jornalista, acredite). Não parava muito tempo em nenhum deles. Primeiro porque sempre pagavam mal. Segundo porque a preguiça e a má vontade ajudavam para que ele fosse despedido rapidinho.
Em um dos empregos, era vendedor do tipo “porta em porta” de uma empresa de planos dentários, a Dent Pheliz.
Cansado de rodar igual peru tonto por toda a cidade sem conseguir vender sequer um plano, que era caro pra caralho, Diogo estava, tal qual uma vaca, cagando e andando para a empresa. Neste meio tempo, arranjou um bico transcrevendo fitas de áudio com entrevistas para uma pesquisa sobre – pasmem – planos dentários. Apesar de serem do mesmo ramo, um trabalho não tinha nada a ver com o outro, fora o assunto interessantíssimo.
O subemprego da transcrição de fitas estava rendendo um pouquinho mais do que o das vendas, além de ter a vantagem de se poder trabalhar em casa, conversando no MSN e tudo mais. Toda vez que o pessoal da Dent Pheliz ligava pra o celular de Diogo para saber como estavam as vendas do dia, ele pensava: “Caralho, eu não posso atender aqui dentro de casa senão o pessoal vai ver que eu tô fazendo é porra nenhuma. Vai que eu tô falando com a chefia e de repente o MSN faz ‘trululu’. E acho que essa música ligada na maior altura vai dar muito na cara também”. Ele desligava a caixa de som do computador, escancarava a janela do quarto e atendia o telefone de lá, para que o chefe ouvisse o barulho dos carros:
- Nossa, tô aqui no centro da cidade, acabei de sair da casa de um cliente e já estou indo pra casa de outro. Só hoje já visitei uns cinco.
Claro que esse emprego não durou nem dois meses. E como o trabalho de transcrição de fitas era temporário, Diogo voltou a ficar sem porra nenhuma pra fazer. Quer dizer, porra até que fazia muita. Mas sua principal atividade diária voltou a ser assistir Malhação.
Ficou assim por mais de um ano. Numa bela tarde, quando acompanhava emocionado a um dos triângulos amorosos do folhetim global, o telefone toca:
- Alou alou, é o Diego que tá falando?
O coceba ainda o corrige:
- Sim sim, é o DiOgo.
- Sabe a entrevista que você fez aqui na Pereira Empreendimentos?
“Caralho, Pereira Empreendimentos! Nunca ouvi falar desses filhos da puta. Mas eu fiz tantas entrevistas em tantos lugares nestes últimos meses que é até capaz de eu ter ido nesse lugar e não me lembrar.”. Ele responde:
- Entrevista é? Olha rapaz, me refresque a memória.
Seu Pereira, estranhando aquilo:
- É, a nossa empresa fica aqui na rua Coronel Sebastião. Já se lembrou?
- Oh sim, me lembro pra cara...mba.
Tudo cascata.
- Pois é, rapaz, a gente ta precisando que você comece aqui na segunda. Você pode vir aqui amanhã fazer um treinamento?
“Merda, vou ficar sem saber se o Léo vai descobrir que a Juliana estava tentando separar ele da Clara”.
- Acho que vai dar pra encaixar, sim.
Desempregado, Diogo só tinha dinheiro para a passagem de ida. “Bem, vou lá, vejo qual é a desse emprego e volto a pé. É só descida do centro até aqui em casa, mesmo”. Marcaram para as nove da manhã. Porém, naquela mesma manhã deu caganeira em nosso herói. “Acho que foram os churros de ontem”. Ele só conseguiu chegar lá pelas dez horas, e ainda sentindo umas pontadas no cu. Chegando no endereço, teve a certeza de que nunca esteve lá antes. Viu várias pessoas em trajes sociais, dentre eles um cara de cavanhaque, camisa aberta, correntes e pulseiras de ouro. “Só pode ser o tal Pereira”. Direcionando-se ao biscate:
- Bom dia, me ligaram ontem a respeito de uma vaga.
- Ah sim, o Diego. Mas eu combinei com você foi às nove, não foi?
- Oh perdão, é que eu passei mal hoje de manhã. Acho que é esse tempo chuvoso, sabe?
Vendo a cara de sofrimento e a dificuldade de andar do candidato:
- Mas você está bem? Pode começar hoje?
- Uaomgh, com certeza.
- Aqui, vai com o Jefferson pra você ver como é que é o trabalho.
“Que bom, o tal Jefferson também tem cavanhaque. Parece que só tem picareta neste lugar. Acho que vou me dar bem aqui”. No treinamento daquela manhã, Diogo descobriu que o trabalho na Pereira Empreendimentos seria também do tipo venda “porta em porta”, desta vez de planos para celular. Porém, nesta empresa, davam para o cargo o pomposo nome “consultor de vendas externas”. No final do expediente, voltam para o escritório e o biscate-mor de novo chama Diogo à sua mesa:
- Sente-se aí, meu jovem, vamos analisar o seu currículo. Aqui diz que você era consultor de venda externa do Guaraná Xupisco. Quanto tempo você trabalhou lá?
Guaraná Xupisco. Ele nunca tinha trabalhado em nenhuma empresa com o nome tão gay assim. É nessa hora que Diogo olha para o papel nas mãos do Seu Pereira. Nem era o tipo de letra que ele usava em seu currículo. Diogo era fã de Courier New, e aquilo ali claramente era Times New Roman. Ele olha para o nome no alto da folha: Alex Dhiego. Um pouco mais abaixo o telefone do infeliz: 555-6969. O telefone do Diogo era 555-9696. O engano estava explicado.
“Mas por que será que não me ligaram perguntando pelo Alex? Será que é uma prática comum entre os biscates ficarem chamando o outro pelo segundo nome? Como você se chama? Muito prazer, meu nome é Morais. Não obstante, ainda tascaram um ‘H’ no sobrenome do cara. Mas eu não vou deixar essa chance passar nem fudendo. Qual é a probabilidade de ter alguém com o nome e o telefone tão parecido assim com o meu? Ainda mais oferecendo emprego? Ainda mais em um ramo que eu tenho experiência. Ainda mais quando eu estou a vários meses desempregado. Tudo isso é obra do destino.”.
Fez mais duas horas de caminhada de volta para casa naquele dia, com trajes sociais. Diogo trabalhou mais um ano naquela empresa como impostor. A vida inteira ele estava acostumado a corrigir as pessoas que o chamavam de Diego. Não seria difícil. Não quis nem saber o que foi feito do tal Alex Dhiego, mas umas duas vezes que viu uma proposta de emprego, mandou para o e-mail que tinha visto naquele currículo.
Se você também quer que seu caso seja contado aqui, mande um e-mail para a gente: torresdiogo@hotmail.com.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Puta que pariu, puta que pariu, puta que pariu

Nêgo que não nasceu para a malandragem é foda. O seguinte caso aconteceu faz uns sete anos com outro amigo meu. Quer dizer, amigo de um amigo. Eu nem conheço o cara. Hummm, chamemo-lo de “Pedro”. O Pedro namorava uma menina, até bonitinha, fazia uns dois meses. Bonitinha, porém mais sem sal do que comida de hospital (acabei de inventar essa). Chamar-la-emos de “Carla”. Os dois haviam se conhecido no carnaval. Estavam na mesma república e, conversa vai, conversa vem, descobrem que fazem faculdade no mesmo prédio, porém ele de manhã e ela à noite. O Pedro, que não era muito chegado em refeição hospitalar, começou a pensar: “Bem, na primeira oportunidade que eu tiver, eu termino com essa baranga. Por enquanto, vamo empurrando (em todos os sentidos)”.
Certo dia, nosso herói saiu com os colegas de sala para uma festa do prédio da faculdade. A namorada não quis ir junto. Uma das coisas que mais chateavam Pedro na relação era a freqüência com que esse tipo de coisa acontecia. Durante a festa ele conheceu a amiga de um dos colegas, a Isabela. Também estudava no prédio, só que esta no mesmo turno de Pedro. Estatisticamente falando, 100% nossos personagens estudavam comunicação (o mundo está perdido
). Pedroca até conhecia Belinha de vista: Meio gordinha, corcunda, parecia que tinha assaltado o guarda-roupa da vovó, deixava aparecendo uma lingerie bege, uma bunda de formato estranho, e uma voz que lembrava algo a Pedro, o que era mesmo, gente? Oh sim, era uma mistura do Geléia, do Caça-Fantasmas, com o Thunderbird (o gênio da comunicação, não o carro. Bem, quando ela tossia até que lembrava o motor de um Thunderbird 1955). Em outras palavras, a esquisitinha tinha todos os predicados para virar a cabeça de qualquer homem. Mas resolveu dar bola para o Pedro.
Cara honesto que era, ele não ficou com a menina, mas ficou encantado. “Agora sou 100% Isabela na cabeça e no coração. Tenho que terminar com a Carla o mais rápido possível”. Esse tipo de coisa tem que ser feita ao vivo, não dá pra ser por telefone. E por várias vezes naquela semana o Pedro tentou se encontrar com Carla para terminar tudo, mas sempre acontecia um imprevisto que impedia o embate. “Ah, hoje eu estou cansada. Ah hoje eu tenho que estudar para a prova de amanhã”. Parecia existir uma força sobrenatural evitando o encontro. Enquanto a conversa com Carla não acontecia, Pedro ia tendo pequenas trombadas propositalmente acidentais com Isabela nos corredores da faculdade. Ficava dando voltas nos três andares da edificação até ver aquela figura encantadora:
- Ô menina, você estuda aqui mesmo. Você não estava mentindo.
Conversa de joão-sem-braço do caralho. E o coração do jovem mancebo batendo cada vez mais rápido cada vez que via a vovó de 22 anos. Em um dos casuais encontros com Isabela (“ô menina você por aqui. Você estuda aqui e eu também. Que coisa”), a moça convida Pedro para uma festinha. Imagine a mulher por quem você está apaixonado te convidando para uma festa. Você recusaria? Com um fingido desinteresse, ele responde:
- Beleza, beleza, beleza. Estarei lá.
Trocaram telefones e tudo mais. Bem, tecnicamente, não havia nada de errado em ir para uma festa com uma amiga. Na tarde do dia da festa, Carla liga para Pedro, novamente marcando um encontro para depois da aula dela, num boteco copo sujo do lado da faculdade. Já foi mencionado que a bela moça estudava de noite. Bem, Pedro não podia perder essa oportunidade. Se ele terminasse o namoro com a Carla mais cedo, ele estaria liberado para dar um créu na Isabela mais tarde, com a consciência limpa. Metódico, ele fez a programação da noite: Às nove horas terminaria com a Carla, “você merece alguém melhor, o problema não é você, sou eu, e blábláblá”, e lá pelas onze estaria com Isabela na festinha.
Ele não andava muito com celular. Segundo ele, sempre que andava com o aparelho no bolso, parecia que estava de pau duro (lembre-se do tamanho dos aparelhos nos idos de 2002, época do acontecido). Porém, uma situação dessas requeria que o tijolo fosse levado, como o intercomunicador de um espião. Era só colocar no modo “silencioso” e discretamente escondê-lo na cueca, como se fosse mensalão. Qualquer coisa, sairia estrategicamente para atender. Pedroca pega o ônibus e faz aquele trajeto, ao qual ele já estava acostumado, porém de dia. No meio do caminho Carla liga e aquele volume na cueca de Pedro começa a vibrar. Os passageiros olham torto para Pedro, menos uma senhora, que admirada pensa: “Aiai, queria que o pinto do meu marido vibrasse que nem o deste rapaz”. Ele não queria que Carla soubesse que ele estava levando o celular,
mas a situação estava ficando constrangedora naquele ônibus lotado. Pedro então finge tossir, se curva, bota a mão no saco, pega o celular, tira uns pentelhos suados do aparelho e aperta o talk:
- Pê...bzzz...tem problema se as meninas...bzzz...forem no boteco com a gente...bzzz...?
“Merda!”
- Bzzz...claro que não...bzzz.
Não ia dar para dar um 'finish her' ali na frente das amigas. Como ele ia fazer? Se aproveitaria de uma possível ida de Carla no banheiro? “Ô gente, vocês me dão licença um instantinho que eu só vou ali terminar com a amiga de vocês”. Não sairia vivo dali. É, teria de ficar para uma outra oportunidade. “Bem, hoje então eu só vou sair como amigo da Isabela, mesmo”. A tensão era palpável. A qualquer momento o celular poderia tocar com Isabela ligando. Foi o que aconteceu:
- Mocinhas, aqui ta muito barulhento, deixa eu ir lá fora pra eu escutar.
Era a amada querendo confirmar a presença do rapaz na festa. Minutos depois ele volta para a mesa.
- Era mamãe. Mas aqui gente, vamo embora?
Não satisfeito com toda aquela cachorrada, ele ainda pegou carona com uma das amigas de Carla para chegar em casa a tempo. Corre para casa, chupa uma balinha, veste uma roupinha melhor, pega outro ônibus, agora para encontrar Belinha. Chegou na festa meio esbaforido, mas aquela mulher era capaz de acalmá-lo de uma maneira su
rpreendente. Realmente ela tinha um ar meio de vó. Conversa vai, conversa vem, a mulher acidentalmente enfia a língua dentro da garganta de Pedro. Ele nunca havia traído em sua vida, mas imagine se você não gosta mais de sua namorada e a boca da moça por quem você está apaixonado vai parar justamente na sua (boca)? Você recusaria? Se ele contasse a verdade, provavelmente perderia Isabela para sempre.
A ânsia por um match point com Carla se fazia cada vez mais urgente, mas os desencontros continuavam. Por exemplo, por uma falha de comunicação (ironicamente, comunicação era o que nossos três vértices do triângulo estudavam), Carla pensava que o encontro ia ser na segunda, e Pedro tinha certeza de que tinham marcado para quarta.. Onze horas da noite de segunda, a Carla liga na casa de Pedro, puta (de puta ela só tinha mesmo a raiva, outra coisa que decepcionava Pedro no namoro):
- Caralho, Pê, a gente não tinha marcado de se encontrar hoje?
Podia se ouvir nitidamente a Carla bufando do outro lado. Pedro respondeu, com a firmeza de quem sabe o que está falando:
- Mas hein?
No fundo, ele pensava: “Filhota, você não imagina o tanto que eu quero te encontrar o mais rápido possível para acabar de vez com essa palhaçada”. Já que a merda estava feita mesmo, Pedroca e Belinha saíram mais umas três vezes naquela semana. Uma coisa estranha entre eles era que viviam um relacionamento duplo: Se encontravam na faculdade e se tratavam como amigos. Cumprimentavam-se com um soquinho no ombro e tudo mais. Horas depois, botavam a língua um na boca do outro. Nosso herói já considerava Isabela como sua futura namorada e ia se esquecendo cada vez mais que ainda não tinha terminado com a Carla. As pessoas perguntavam, quando encontravam com Pedro:
- Mas e a Carlinha como é que está?
Ou então:
- Aqui, a gente ta indo pra um sítio nesse final de semana. Leva a Carlinha.
E Pedroca, sempre com a mesma precisão:
- Mas hein?
“É mesmo gente, eu ainda namoro a Carla”, pensava. Conversou algumas vezes com a oficial no telefone, mas era uma coisa muito esquisita. Ele se sentia como se o namoro tivesse já acabado, apesar de Carla nem fazer idéia disso. Já fazia uma semana e meia que Pedro estava levando essa vida tripla.
Nosso latin lover levou Isabela para ver Jackass, um filme romântico, numa terça feira. Na quarta, o rapaz ficou dando volta nos corredores da faculdade para dar um encontrão na moça (sim, mesmo com eles ficando, ainda era necessária essa viadagem): “Pois é menina, ontem você tava lá no cinema, eu também, a gente se pegou e pá...”. Até que sua mochila começa a vibrar, tocando uma sinfonia de Chopin. Ele bota a mão dentro da Sansonite. Novamente, era a inconveniente Carla:
- Oi Pê...bzzz...você ta na faculdade...bzzz...?
Delicadamente, responde:
- Bzzz...Estou, porque?
- Ah, eu estou aqui também...bzzz...vim fazer um trabalho com as meninas...bzzz...vem aqui no primeiro andar me encontrar...bzzz.
Com a voz trêmula:
- Tááá...bzzz.
“Fudeu! Puta que pariu, puta que pariu, puta que pariu, esse prédio é todo aberto, não vai ter como a Belinha não ver a gente! Puta que pariu, puta que pariu, puta que pariu, deixa eu me esconder aqui no banheiro pra pensar melhor. É hoje que eu pago pelos meus pecados! A Carla com certeza vai querer me dar um ‘oi’ com um beijo na boca! Com certeza vai querer ficar de mão dada! To fudido! Se nossos nomes fossem compostos, eu juraria que estou numa novela mexicana. Puta que pariu, puta que pariu, puta que pariu!”.
Depois de dar uns dez peidos, ele cria coragem e sai do banheiro. De longe ele vê Isabela no corredor onde ele teria que passar para encontrar Carla. A vovó o avista e sorri, mas tudo que ele pôde pensar foi passar por ela correndo, com os dedos no ouvido, cantando:
- Lá lálá lálálá lálá.
Ele desce a escadaria, avista na porta a namorada, que já vai estendo a mão para ele e fazendo bico de beijo. Ele a cumprimenta com um tapão no ombro, que quase a derruba. Isabela estava três andares acima, mas Pedro era muito cagão. Instintivamente, ele vai conversando com Carla e andando ao mesmo tempo, sem nem encostar na namorada. Ele se lembra porque estava caminhando naquela direção:
- Vamos ficar sentados aqui debaixo dessa escada?
- Olha Pê, o que é que está acontecendo? Você está mais distante comigo.
Pedro, sempre eloqüente:
- Pois é né, menina.
Conversa vai, conversa vem e ela já está lacrimejando e tremendo:
- Acho que a gente não deve ficar mais juntos.
Mal disfarçando o alívio, ele pega no ombro da moça, pisca um dos olhos e aponta o dedo para ela:
- Quer saber menina, acho que você tem razão.
Os dois se despedem. Carla, desnorteada:
- As meninas já devem estar me esperando.
Pedro, sempre sensível:
- Te vejo por aí, beibe.
Ainda meio zonza Carla quase bate a cabeça na parede. Pedro sai correndo como um foguete do prédio e pega o primeiro ônibus de volta para casa, com o coração na boca e a cabeça a mil por hora. E olha que ele ainda teria mais duas aulas naquele dia, sendo que uma delas com atividade em grupo valendo 20 pontos (faculdade de comunicação é assim mesmo). Mas ele não podia abusar ainda mais da sorte. De noite, recebe uma ligação de Isabela:
- Você está chateado comigo? Porque você me viu no corredor e saiu correndo daquele jeito?
- Hoje, é? Você estava no corredor, é? Menina, sabe que eu nem vi? Estava sem meus óculos.
- Você me disse uma vez que não usava óculos.
- É que uso lentes. Eu falei que não uso óculos, mas lentes eu sempre usei.
Pedro nunca tinha usado lentes na vida porque achava aquilo a maior viadagem. Ficaram mais dois meses naquela relação “amigos de dia, amantes de noite”. Não evoluíram em nada. Começou a bater aquela saudade da Carlinha. Ô Carlinha, bonitinha! Pelo menos a Carla queria namorar. Era tarde demais.

quinta-feira, 4 de setembro de 2008

A epopéia das chaves esquecidas dentro do carro e a peguete

É impressionante como tem gente que se aproveita da necessidade dos outros para poder lucrar com a desgraça. Você passa no centro da cidade e vê um monte de vendedores dizendo, melhor, gritando:
- Olha o guarda-chuva, é cinco real, freguês! Dois é sete!
De repente a tormenta se avizinha, ameaçando virar dilúvio. O mesmo ambulante, com um sorrisinho no canto dos lábios:
- Olha o guarda-chuva, é só 10 real, freguês! O snorkel é 50 real!
Tem vezes em que o vendedor é a vítima. Vinte minutos depois de começado um show qualquer:
- Por favor, senhor cambista, quanto ta o ingresso pra ver o Creedance?
- Olha amigão, o Crindence ta 30 real.
- Te dou vintinho.
- Vinte? Fechado, fechado, fechado.
A alguns anos, os motoristas de ônibus de nossa cidade acharam que e operação linguição (olha a maldade, olha a maldade) ainda era pouco para reivindicar seus direitos, e resolveram entrar em greve total. Então os perueiros, profissionais autônomos que faziam frente ás grandes empresas de coletivos, viram nisto uma grande oportunidade e começaram a cobrar cinco reais de cada passageiro, numa época em que uma passagem custava em torno de um real. Hoje em dia essa atividade foi quase erradicada da nossa cidade e existem apenas uns bravos resistentes que ficam perto da rodoviária dizendo, melhor, gritando:
- Ipatinga, Valadares! Ipatinga, Valadares!


Pois bem, o caso aconteceu com um amigo meu, não foi comigo não. Esse amigo, chamemo-lo de “Carlos”, passou no supermercado, depois do trabalho, para fazer as compras do mês. O Carlos, que nunca foi muito jeitoso com as coisas, chega em casa e tenta sair do carro, chamemo-lo de “Trovão Azul”, tentando se equilibrar no meio daquele mundo de sacolas. Fecha o carro com a anca, o que deixa um sulco na porta, no formato de suas nádegas. Algumas horas depois, ele recebe uma ligação de sua, digamos, peguete.
- Oi bem, você não quer vir aqui em casa ouvir um CD que eu comprei?
- Quinze minutinhos eu tô aí.


“É hoje!”, pensa. Toma banho, passa perfume, veste a cueca de transar, veste a roupa, pega a camisinha. “Bom, agora só falta a chave do Trovão Azul”. Bate nos bolsos da camisa, da calça, revira a casa. Está relutante com a idéia de que as chaves talvez estejam dentro do carro. “Eu não fui burro deste tanto”. Mas foi. Vai e volta várias vezes para dentro de casa e para a garagem, cada vez tentando arrombar o próprio veículo com um objeto diferente. Tesoura, faca, grampo, clipe, agulha de tricô (sim, ele tem isso em casa), chaves de outras fechaduras. Nada adianta. Inclusive pelo porta-malas ele tenta violar (ui!) o carro. Ia ser no mínimo interessante aparecer o vizinho justamente neste momento. Imagine o Carlos com metade do corpo para dentro do carro, com a tampa do porta-malas violada (ui!), e as pernas pra fora. O vizinho, que sempre aparece nas horas mais constrangedoras, olha com uma cara mezzo de estranhamento mezzo de reprovação. O Carlos responde, através do vidro traseiro, com um arquear de sobrancelhas, como quem diz: “Cada um entra no próprio carro de jeito que lhe der na telha”. Mas não aconteceu. Ele volta para dentro da casa e liga para a peguete, com os lábios estremecendo, quase chorando:
- Vô mais não. Surgiu um imprevisto, sabe?
Então ele liga o computador, entra na internet e digita no Google: “Esqueci a chave dentro do carro”. Vários links para fóruns aparecem. Na maioria respondem: “Mas camarada, tu é burro mesmo hein?” Outros sugerem que se jogue uma pedra contra o vidro. Ele coça o queixo, e pensa, precisamente: “Hum!”. Minutos depois: “Melhor não; melhor pesquisar mais um pouco”. Vai no Youtube e digita: “Forgot my keys inside my car”. Vê vários vídeos interessantes, até mesmo curiosos, lê os comentários; “Man, are you dumb or sometihng?”. Porém, nada que sirva para o seu caso. Não vendo alternativa, Carlos foi trabalhar no dia seguinte a pé (realmente estava precisando perder alguns quilos, já que a bunda estava grande o suficiente para amassar a porta do carro). Na volta do trabalho, passou no chaveiro, a três quarteirões da sua casa, com a cara mais pidona do mundo:
- Amizade, você abre um Escort 94? Esqueci minhas chaves dentro de um. O carro é meu mesmo, viu?
O chaveiro, chamemo-lo de “Juca”, faz um “pfff”, como que segurando para não rir do cliente:
- Que sensação ruim hein, amigo? Vamo lá na minha moto.


Juca monta no veículo e joga um capacete rosa para o Carlos, que quase o deixa cair no chão. Já foi mencionado que nosso herói não é muito jeitoso com porra nenhuma.
Carlos nunca tinha andado de moto, mas, como é macho e corajoso, coloca o capacete rosa e sobe na moto, agarrado no cangote do chaveiro. As pessoas em volta olham estranho pra Carlos, que fica sem entender nada, até ver passar outra moto com dois ocupantes. Observou ele que o de trás ia segurando em alças que saiam da garupa da moto. A moto do chaveiro tinha alças semelhantes. Carlos pensa, precisamente: “Hum!”. Lentamente ele para com aquela viadagem, tirando os braços, que neste momento estavam entrelaçados no peito de Juca. Dá um tapa na moto e ainda tira onda:
- Tamo esperando o que pra ir embora?
O chaveiro deveria trocar de profissão; deveria ser alfaiate, de tanto que costurava no meio dos carros. Carlos, que já não era muito fã dos motoqueiros, passou a odiá-los ainda mais. Quase morreu umas duas vezes naqueles três quarteirões. De volta a sua casa, abriu a garagem e apontou o carro para o Juca. O chaveiro tira uma ferramenta do bolso e em três segundos abre o Trovão Azul.



- Quanto eu te devo?
Isso Carlos fala como quem espera uma resposta do tipo: “Amigo, só te cobro o passeio de moto e a casquinha que você tirou de mim. Uns 10 real e tá limpo”. Mas a resposta, mesmo, foi:
- Olha, normalmente eu cobro 40, mas como o seu carro é mais velho, é mais fácil abrir. Te cobro uns 30 real e tá limpo.
Porra, como se fizesse diferença. O cara abriu o carro como se fizesse: Um, dois, três, tcharam! Se fosse um carro novo, seria assim: Um, dois, três, grrrrrr, tcharam! O que a gente ta fazendo aqui? Cobrando 10 reais por segundo? Isso é o tipo de coisa que a gente faz como favor. É como consertar um vídeo cassete. Ele deveria ter até vergonha de cobrar alguma coisa.
Serviço pago, o chaveiro aponta para a BMW do vizinho abelhudo:
- E se fosse esse carro aqui, eu cobrava 60 real.
E arremata:
- Aqui, faz umas chaves reservas lá comigo. Te faço por oito real. Você evitaria ter que gastar 30 numa situação dessa.
O viado do cara fala isso como se não tivesse sido ele mesmo quem cobrou os 30 reais. E é claro que não ia precisar da reserva. Depois da traumática experiência, nunca mais alguém esquece as chaves dentro do carro.
Horas depois, Carlos percebe que deu os últimos 30 reais para o chaveiro ladrão. Outros 30 tinham sido gastos no dia anterior, no supermercado. Liga para a piriguete, digo, para a peguete, tentando reaver a foda do dia anterior:
- Aqui, eu to meio apertado de grana, porque você não vem aqui em casa pra gente ouvir um CD do Marvin Gaye?
Do outro lado:
- Apertado de grana é? Hoje não vai dar. É que surgiu um imprevisto aqui, sabe?
Nesta noite, o Carlos ficou duas horas dentro do banheiro, comendo chocolate.

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