sexta-feira, 29 de maio de 2009

Despontando para o anonimato

Markim, Dexter e Múcio eram caras que, desde o prezinho, estudavam juntos. Eram algo que podia se chamar de uma patota. Mas não eram populares. Aos 15 anos de idade, veio a época de querer pegar mulher. Os três eram cabaço. Hum, como fazer? Foi Markim quem teve a idéia, depois de ver um clipe de hip hop, cheio de negonas de shortinho:

- A gente podia fazer uns raps.

Os outros dois, em uníssono:

- Raps???

- É. Esses caras enchem o cu de grana e vivem cheio das mina..

- Markim, não diga “mina”. Você não é rapper. E é branco. E eu e Múcio também somos. Quem sabe outro estilo.

Quem disse isso foi Dexter. Múcio era o mais tímido dos três. Mas bastou ouvir as palavras “outro estilo” para que no dia seguinte ele soltasse essa:

- Compus um pagode.

Os outros dois, em uníssono:

- Pagode???

- Bem, você disse “quem sabe um outro estilo”, Dexter.

Sempre um incentivador, Dexter diz:

- Rá! Quero só ver essa merda. Solta lá, Kid Mumu.

- Agora eu fiquei com vergonha.

- Eu sabia que desse jacu não saía nada. Vamo embora Markim, que a gente tem que fazer ainda o trabalho da Dona Vilma.

Os dois deram de costas e já estavam quase fora de casa, quando Múcio tremulamente tira o pequeno papel amarrotado do bolso e começa a lê-lo timidamente. Sua voz era miúda, mas parecia que ele estava cantando uma espécie de pagode:

- Toda hora, todo dia \ Eu quero dar o bombs, eu quero dar o bombs, eu quero dar o bombs \ Em cima da cama, em cima da pia \ Eu quero dar o bombs, eu quero dar o bombs, eu quero dar o bombs.

- Hahaha.Que porra é essa, Mumu?

- Pagode.

Entretanto, a idéia de ter uma banda foi crescendo dentro dos rapazes. Tendo noção do grande potencial que tinham, Dexter disse:

- Com o que a gente sabe só dá pra tocar punk rock.

Ao ouvir isso, Markim se adiantou:

- Nóóó, rolava mesmo. Tô pensando até numa música de protesto aqui. Algo do tipo: Essa sociedade está cada vez pior \ o homem joga lixo no chão \ corta os outros pela direita \ faz sexo sem camisinha...

- Dá pra parar de gritar ou tá difícil, Markim?

- Como chama essa música?

- Cu D’água.

- Um bom nome.

- Não, eu tô falando que esse bosta do Dexter é um cu d’água.

- Nosso primeiro hit.

Certo dia, o trio foi até a Praça da Estação fazer uma pesquisa. Era outro trabalho de história para Dona Vilma. Markim solta:

- Moçada, não é aqui não. Olha lá na placa: Praça Rui Balboa. Olha lá: Tem até uma estátua em homenagem ao Rocky, personagem imortalizado pelo saudoso Sylvester Stallone.

- Ô jegue, é Rui Barbosa. E o Stallone ainda não morreu.

- Ruy Balboa. Parece mais a junção de Ruy Chapéu e Rocky Balboa.

- Um bom nome para a nossa banda.

A última frase foi dita por Múcio. Por meses, a idéia da banda ficou só nas conversas. Markim teve um espasmo de brilhantismo:

- E se a gente começasse a tocar hein? O que acham?

Compraram uma guitarra e um baixo e começaram os ensaios. De olho na mulherada que podia ganhar, Dexter já foi logo pegando a guitarra pra si. Markim ficou na bateria e o baixo sobrou para Múcio. E isso porque os ensaios eram na casa dele. Senão ele ficaria de castigo na bateria mesmo. Ainda mais porque ele nunca falava porra nenhuma, mesmo.

A casa de Múcio tinha sido escolhida para os ensaios por vários motivos logísticos. O principal deles era a existência de um freezer horizontal lotado de cerveja. O pai de dele sempre fazia churrascos com a rapeize do trabalho no fim de semana. E os jovens músicos se encarregavam de acabar com tudo que sobrasse durante os dias letivos. Umas duas ou três vezes na semana Dexter e Markim invadiam a casa. Dona Marta, mãe de Múcio, os recebia:

- Vocês são do grupo de ensaio do meu menino?

- Somos, somos.

Falavam isso enquanto folgadamente entravam na casa e iam avançando sobre o freezer horizontal. “Grupo de ensaio” era ótimo. Mais bebiam cerveja do que tocavam, era verdade. Ainda mais Markim, que tinha distúrbios de hiperatividade e déficit de atenção. Dexter fazia a contagem:

- 1, 2, 3 e...

- Velho, você viu Lost ontem?

- Vi, mas depois a gente fala sobre isso. Vamo tentar do princípio denovo.

- Do prepúcio?

- Do princípio, jegue. Vamo lá: 1, 2, 3 e...

- Nossa, olha só quem tá na capa da Veja essa semana.

- Assim fica difícil, Markim. É pra gente fazer assim ó: 1, 2, 3 papa tum pá.

Era muito difícil tocar com alguém que tivesse distúrbios de hiperatividade e déficit de atenção. Mas Markim tinha o principal: Atitude punk rock. Por falar em punk rock, como toda banda iniciante e picareta, metade do repertório dos meninos era de músicas batidas dos Ramones, incluindo Hey Ho Let’s Go.

Um leitor mais atento deve ter percebido que não foi comprada a bateria. A princípio não era necessário já que a irmãzinha de Múcio tinha uma bateriazinha de brinquedo. Era um tanto quanto engraçado ver Markim sentando a mão naquela bateriazinha rosa, tocando um hardcore ultrapodreira. Mas era o suficiente para infernizar Dona Marta, que não conseguia ver a novela da tarde sossegada. Toda hora que dava propaganda, ia lá na garagem:

- Gente, vê se toca baixinho, senão vocês vão perder a bocada.

- A gente vai tentar, biscate.

- Olha o jeito que você fala com a mãe do cara, Dexter.

- Por que vocês não levam essas duas guitarras de vocês pra um desses estúdios de bateria?

Dona Marta se mostrava uma verdadeira conosceur do assunto dizendo termos como “grupo de ensaio” ao invés de “banda” e “estúdio de bateria” ao invés de, simplesmente, “estúdio”. O mais legal era que, sempre que falava a palavra “bateria”, a véia sacolejava os braços, como se estivesse tocando. Era o Neil Peart do air drum. Outro detalhe: Apesar seu filho tocar contrabaixo, ela sempre achou que aquilo fosse uma guitarra. Reparando que no instrumento do amiguinho do filho tinha duas cordas a mais, disse:

- Por que a guitarra dele tem mais corda? É porque ele toca melhor? Olha meu filho, se ele pode, você também pode. O dia que eu for no centro, vou comprar mais duas cordas pra você, tá?

Os meninos do Ruy Balboa tinham um amigo punk, chamado Joca. Quer dizer, punk, puuunk o menino não era, já que estudava em colégio particular. Mas ele tinha o principal para ser considerado punk: Pose. E umas roupas com tachinhas.

Uma vez por mês, o colégio de Joca abria espaço para o aluno que tivesse algum “grupo de ensaio” tocar. Joca não tinha banda, mas tinha amigos que tinham. Solução: Ele fingiria que fazia parte da banda, tocando com uma guitarra desligada. Tocaram quatro músicas durante o recreio e ninguém descobriu a farsa. Na verdade, a performance de Joca foi super elogiada. Apesar de ninguém ouvir nada, toda a pose dava a impressão de que o menino tocava pra caralho.

E foi assim que Joca entrou na banda. Eram três caras com atitude punk rock e um moleque inexpressivo, que só se mantinha na banda por ceder o lugar para os ensaios. Múcio basicamente só executava aquilo que os outros o mandavam fazer. Um dia, quando estava apenas com Markim e Dexter, Joca disse:

- Gente, eu quero esse cara fora da banda.

- Tá. Mas quem vai tocar baixo?

- Porra, a gente não precisa de duas guitarras pra tocar punk rock pelo amor de Deus. Você toca o baixo, Dexter.

- Mas foi o Múcio que deu o nome para a banda. Será que a gente devia mudar?

- Ele registrou em cartório?

- Não.

- Então não precisamos mudar o nome.

Aparentemente estava tudo resolvido para que os jovens trilhassem o caminho para o sucesso. Cheios de atitude e com um som pop. Não tinha como dar errado. Outro espasmo de brilhantismo de Markim:

- Aqui, não seria melhor se alguém avisasse ao Múcio que ele está fora da banda?

Tiraram na porrinha. Quem tivesse a porra maior teria que se confrontar com o mosca morta. Sobrou para o cheio-de-dedos Dexter:

- Mumu, o pessoal quer você fora da banda.

- Uai, beleza.

- Ammm, posso pegar uma cerveja?

- Uai, beleza. Vocês querem que eu ajude a levar os instrumentos?

Muito tenso esse dia. Mas foi o necessário para a banda começar a crescer. Onde iam faziam propaganda. Uma vez, voltando de um ensaio, agora feito exclusivamente em “estúdios de bateria”, Markim puxa papo com o taxista:

- Amigo, a gente tem uma banda. Qualquer dia que o senhor for fazer uma festa na sua casa é só chamar a gente.

- Chamo sim, pode deixar.

- A gente tá na lista.

Tinha chegado a hora de gravar a primeira demo com cinco músicas. Houve algumas pequenas confusões. Por exemplo, no dia e horário da gravação, o dono do estúdio reservou o espaço para outra banda ensaiar. Antes que a banda quebrasse o pau, o dono do estúdio tenta negociar:

- Caras, deixa eu fazer uma proposta para vocês. Deixa só eu encostar a porta, porque esse tipo de coisa se resolve com porta fechada.

- Olha velho, você não vai chupar a minha rôla.

- Ah não? Então esquece.

Além dessa, teve outra confusão: Depois de meses ensaiando as músicas da demo, Markim chega no dia da gravação, dizendo:

- Moçada, mudei um pouco as introduções de bateria.

Na verdade, ele tinha mudado era tudo. Os outros dois não estavam conseguindo entrar, já que tinham ensaiado de outro jeito. Começa a discussão:

- Porra, vocês dois tão de palhaçada comigo.

- Palhaçada? Você muda tudo no dia da gravação e quem tá de palhaçada é a gente, ô filho da puta? Vai tomar no seu cu.

- Vem fazer.

O mais legal é que discutiam de costas um para o outro, já que cada um dos três estava numa cabine do estúdio. Tinham que abaixar a cabeça para xingar pelo microfone. Markim era tão ôreia que entortava a cabeça para xingar no microfone da bateria.

Entre mortos e feridos, o disco saiu. O produtor do estúdio ainda conseguiu a façanha de tirar todo o peso do som da banda e transformar o hardcore ultrapodreira em punk universitário. Quando a produção ficou pronta, ligou para os meninos:

- Cara, posso falar uma coisa? Tá profi.

- Mas que porra sem graça é essa? Cadê o peso? E que história é essa de punk universitário?

- Algo como um punk rock que tocaria no filme American Pie. Como vocês se vestem como skatistas e tem muitas músicas que falam sobre levar pé na bunda, achei que era isso que vocês estavam procurando.

O produtor tinha razão. Sendo assim, ao invés de se vestirem de skatistas, os moleques do Ruy Balboa passaram a somente fazer shows de pijama. Isso só podia ter sido idéia de Markim. Markim este que tinha também a idéia de que eles fizessem um show pelados. Quer dizer, não pelados, já que usariam uma meia no breguete. Mal percebiam que isso acentuava ainda mais sua faceta punk American Pie. A platéia ia ao delírio:

- Nossa, os caras são loucos! Olha só, tocando de pijama!

Joca era diabético. Precisava de diariamente aplicar uma injeção de insulina na coxa. Um dia isso aconteceu no horário de um show. Em cima do palco, desceu as calças e aplicou a injeção.

- Nossa, o cara é louco! Rock n roll! Uhuuu!

Entusiasmado pela reação do público, começou a fazer isso mais vezes. Joca era o que mais se deixava levar pela reação da platéia. Um dia entusiasmou e baixou as calças com cueca e tudo e mostrou para o público o Ruy Balboa Jr. Vendo que o público ia à loucura, perdeu a noção e mirou em alguém que estava no gargarejo. Um jato de mijo saiu. A pancadaria acabou com o show pela metade.

Desde então a banda começou a desandar. Toda vez que marcavam ensaio, alguém tinha um churrasco para ir ou alguma prova para estudar. A banda já não era mais prioridade. Joca era o que mais enrolava os companheiros. Um dia apareceu algo que poderia mudar o rumo da banda: O primeiro convite para tocarem com cachê. Markim e Dexter se entusiasmaram, mas Joca disse:

- Galera, foi mal, mas tem final do Campeonato Mineiro neste fim de semana.

Contrariados, Markim e Dexter então negaram o convite e foram afogar as mágoas assistindo ao show do Silent Bob & The Jay Jay’s, a maior banda da cidade. E quem eles vêem como o novo guitarrista da banda? Isso mesmo, Joca.

Estava tudo explicado: Joca andava ensaiando escondido com uma banda famosa e não encontrava como falar com os amigos. Markim e Dexter tentaram resgatar Múcio de volta, mas quando ligam descobrem que o menino tinha se matado no dia depois que foi expulso da banda.

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