terça-feira, 12 de junho de 2012

Brick by brick

Antes de qualquer coisa, aviso que o blog não está voltando às atividades normais. Continuo trabalhando igual um jegue, sem ter como manter regularidade aqui. Apenas estou atendendo a um pedido da minha namorada Renata, que solicitou uma crônica como presente de dia dos namorados. Como não há nada que meu amor me peça chorando que eu não faça sorrindo, cá estamos. O que é melhor, não vou precisar tirar um centavo do bolso. Abaixo temos o roteiro de uma comédia-romântica-água-com-açúcar-Tom-Hanks-e-Meg-Ryan:
O tempo de relacionamento que eu e a Rê temos é uma questão meio polêmica. Como nunca houve um pedido de namoro, cada pesquisador diz uma coisa. Oficialmente, devemos ter cinco, seis meses. Mas que a gente se pega tem uns três anos. Ela foi minha aluna no pior lugar em que dei aula. Acho que o único propósito de eu ter trabalhado ali foi tê-la conhecido. Ô lugarzinho mercenário do caralho, cheio de playboyizinho leite com pera, chefe filho da puta, desumano, secretária anticristo...
Perdão, inflamei-me aqui. A veia da testa tá até pulsando. Do que é que você falava? Oh sim, eu dava uma aula, trânsito isso, piadinha, use cinto de segurança aquilo, um casinho para ilustrar, se beber cuidado com as blitzes, conversa com a turma. Descobrimos que tínhamos amigos em comum e que havíamos morado no mesmo prédio. Sem nunca termos nos visto. Sendo assim, somente uma coisa podia acontecer: A gente acabou se pegando.
Antes disso, marcamos de sair com um amigo, que oportunamente passou mal e não pôde ir. Fomos para uma sinuca aqui perto. A sala de aula parecia ter se transferido para aquele lugar, já que ali o titio também estava dando uma lição. Levei-a para casa, não sem antes uma aula prática a respeito da ergonomia dos assentos automotivos modernos, se é que você me entende. Caipirinhas ajudaram o desenrolar das coisas.
Situações semelhantes repetiram-se milhares de vezes e não vou te aporrinhar com cada uma delas. Eu queria muito namorar alguém, mas a Rê nunca admitia ser caidinha por mim. Por que? Isso você vai ter que perguntar pra ela. Eu mostrava o porquê de eu ter certeza que ela gostava de mim, com argumentos, fatos, gráficos e Data Show. Algumas vezes eu a influenciava com uma sessão de cutucões entre o rim e a costela:
- Tá bom, tá bom, eu admito que era apaixonada por você sim, mas já esqueci.
- De ontem pra hoje?
- É.
- Isso não existe.
Qualquer coisa ao lado da Renatinha, desde ir ao mecânico até fazer compras no supermercado, era divertido. Viramos amiguinhos, fazíamos viagens gastronômicas pela cidade, sempre na amizade, conversávamos civilizadamente, mas sempre acabávamos aqui em casa. Daí você já viu, ne? Tentava não sucumbir à tentação, mas aquele cheiro doce, aquele olhar doce e aquelas pernas parecendo troncos de árvore faziam com que partes do meu corpo tivessem vontade própria.
Além de ser uma amiga, ela era completamente o oposto da mulher que eu procurava. Porra, a menina curte um pagode, Zé. E é na tentativa de desintoxicar aquele ouvidinho que até hoje eu sempre mando para ela uma música com uma letra emo de autoajuda legal. Nas minhas contas foram mais de 60, a maioria rock mela cueca, mas minha intenção é um dia chegar ao metal furioso. Fiz para ela uma coletânea com 40 canções de ska. Compusemos uma música juntos. Um dia, quem sabe.
- A pior coisa que tem é quando a gente sabe que alguém gosta da gente e não assume, não é verdade?
- Nó, nem fala. Paia demais.
Não dava para acreditar. Eu dava todas as ferramentas para que ela se libertasse das mentiras e ela se afundava ainda mais, filosofando quilometricamente sobre o quanto é absurdo gostar de alguém e não assumir. Outra razão de eu reprimir meus instintos é porque ela cometia um dos maiores pecados que todos nós fazemos quando gostamos de alguém: Cobrava, julgava, taxava de piriguete, como se já fosse alguma coisa minha. Boa parte disso baseada nas coisas que eu publicava aqui no blog. As piores críticas que ouvi e as maiores brigas que tive foram com a Renata. Pode ter certeza que a recíproca é equivalente. Já fiz essa menina chorar demais.
Uma vez a gente combinou de fazer aula de direção no meu carro 11 da noite. Brilhante ideia. Enquanto a inexperiente motorista subia um morrão, eu fazia no painel do carro a batida de “We will rock you”:
- Rê, pó falar, você me ama né não?
A menina ficou tão desconcertada que perdeu o controle do carro e começamos a voltar morro abaixo. Quase morremos, mas foi engraçado pra caralho. Como a Rê não assumia nada, fui procurar qualquer pessoa com quem houvesse pelo menos uma remota possibilidade de romance. Fiquei com uma e outra menina, namorei, mas nada progredia. E nunca me divertia ao lado de ninguém como me divertia com a Renatinha. Sempre que eu estava tendo alguma coisa com alguém, a Renata sumia. Eu ficava com saudades das nossas conversas existenciais e filosofias de buteco. Era só meu lance acabar que ela reaparecia e tudo voltava a ser igual antes. Uma presença orbitante em minha vida, como um satélite natural. O que nos leva ao fim de semana divisor de águas:
Estávamos muito tempo sem nos falar. Provavelmente por causa de uma discussãozinha dessas. Sexta era aniversário da minha prima e a Renata estava lá. Não nos falamos, mas eu comecei a fazer hora com a cara de outra prima, falando o quanto gosto de pagode, axé e tudo que não presta. Só pra Rê ouvir e segurar o riso da conversa para boi dormir. Dia seguinte foi aniversário do primo dela. Mundo pequeno; eu estava lá. Estávamos longe um do outro, mas a mãe dela delicadamente interveio, com um bicudo:
- Vai lá e conversa com ele.
Papo vai, cervejinha daqui, papo vem, amendoinzinho japonês dali. Se você perguntar, ela vai falar que quem beijou fui eu. Mas foi ela. E me embebedou com um troço chamado Big Apple, que me fez desmaiar. Eu tava dando trabalho:
- Renata, vem conversar com a gente aqui fora. Você vai ficar aí tomando conta desse cara inconsciente? É desse aí que você gosta?
Ainda fez uma prima dela nos deixar aqui em casa:
- Renata, não sobe para o apartamento dele. Deixa ele aí e vamo embora.
Ela bem achou que ia ficar aqui cuidando de um moribundo. Porém, aqui chegando, o amendoim japonês começou a fazer efeito, se é que você me entende. Bem, você entende, né?
- Me surpreendi. Achei que você ia querer chegar aqui e dormir.
- Vvocxêz zsabbe qque nnão gosxtto qque mme desxzafffie.
Outra.
- Acho que agora sim você deita e dorme.
Outra.
- Se você falar que aguenta mais uma eu vou cobrar.
- Ennttão zchegga mmaisxz, gattzinnha. Miau!
Minha cama tá quebrada até hoje como consequência desse dia. Sério, eu tô dormindo num buraco. Na manhã seguinte, acordamos e tivemos uma inevitável conversa sobre um assunto latente em nossas vidas: Batatas recheadas. O que me obrigou a obrigar ela a ir comigo até o shopping para comer uma. A pé. E de salto. Ela, não eu. Já que eu tinha me recusado a trazê-la de cavalinho, ela comprou um chinelinho para fazermos o caminho da volta. Como meu cu ainda não tinha feito bico, a noite encaramos uma pizza caríssima aqui no bairro. 50 pau a redonda, fi. Nesta sentada confabulamos e concluímos que, se somássemos todos os períodos de pegação e compactássemos num só, daria um ano e quatro meses. Porra, é mais do que a maioria dos meus namoros.
Semanas se passaram e a Renata me vem com a neurose que a menstruação não vinha.  Isso aí, eu não aprendo mesmo. Tentei acalmá-la dizendo que por causa das três cartelas de pílulas do dia seguinte (verdade), o negócio tinha ficado desregulado. Para tirar o assunto da cabeça, ela fez um teste de laboratório. Me ligou querendo me encontrar no intervalo do meu serviço para mostrar o resultado. Tava chovendo pra caralho. Debaixo de um guarda chuva desbeiçado, me estende o papel amassado. Cena de filme, mesmo:
- Olha aí. O que é que eu falei? Você disse que era neura minha. Fiz tudo pra isso não acontecer. Tomei três cartelas daquele troço, pra garantir. Tô fudida.
Fiz o que qualquer um teria feito no meu lugar.  Enquanto ela se debulhava em lágrimas, eu ria que nem um condenado do desespero dela. Cá entre nós, a gente realmente pediu para que acontecesse. Porra, quatro vezes! No dia seguinte, marcamos de encontrar de novo na rua. Eu puxava a faixa do sobretudo dela para perto de mim, pegava na mãozinha dela:
- Calma Rê, é eu e é você. Vai ficar legal. Vamos ser uma família diferente. A gente dá conta.
- Diogo, não encosta em mim.
- Relaxa.
- Você não tá acreditando né? Olha aqui o papel.
- Você já me mostrou isso ontem. Você tá doidinha né? Hahaha.
De todas as pessoas que apareceram na minha vida, eu estava feliz que isso tivesse acontecido justo com a Renata. Não podia pensar em pessoa mais adequada para ser mãe do meu filho/filha. O próximo problema seria revelar para nossas famílias a sem-vergonhice que tava rolando. Até então éramos apenas irmãozinhos, aos olhos do grande público. A Renata tava com medo de ser expulsa de casa. Como aqui tem homem e não moleque:
- Pode avisar lá que eu converso com seus pais. E fala que a gente já tava namorando.
Falei isso dando soco no peito. Então a Renatinha foi armando o cenário para minha ilíada:
- Mãe, tenho um negócio pra te contar quando eu chegar do serviço.
- O que foi minha filha, você tá grávida?
- Adivinhou. Tõ indo trabalhar. Beijo.
Nesse meio tempo, enquanto a gestante trabalhava, a mãe tinha contado para o pai, que foi buscá-la no serviço. Não houve pergunta; a Rê apenas entrou no carro e deu um sorriso amarelo. Aquelas canjicas arreganhadas eram a confirmação necessária. Eu fazia de tudo para adiar minha parte. Vocês entendem a falta de pressa para morrer não é mesmo? No dia fatídico, cheguei aos portais do castelo e deixei o motor do carro girando. Caso fosse recebido com uma espingarda de cano duplo, era só jogar uma bomba de fumaça ninja no chão e partir em retirada, heroicamente. Mas foi tranquilo, até. A mãe conversava comigo com um laptop no colo, curtindo fotos no Facebook. O pai me recebeu de ceroula:
- Olha Diogo, você me desculpa a liberdade. Mas a partir de agora eu te tenho como se fosse meu filho.
Do jeito que ele começou a frase, achei que lá vinha bomba. Nada de “comeu minha filha, agora tem que casar”. Pelo menos, não em tantos termos. Tenho esse dia como o primeiro de namoro oficial entre eu e a Rê, porque teve esse lance de conversar com os pais e tal. A verdade é que a gente tava praticamente pulando de amizade para casamento, então é meio confuso. Pensando bem, casar com a Renata não seria má idéia, não. Ela tem uma televisão de diversas polegadas.  E ter ela morando comigo seria legal, também. Tô brincando, amor. Dias depois, na cozinha da casa dos meus pais:
- Mãe, aaa...sabe a Renata? Pois é, tá grávida.
- Sério? Quem é o pai? Você?
- Assim...
- Êêêêê, vou ser avó!
Pouco depois meu pai chega para buscar uma cerveja na geladeira. Minha mãe aponta pra mim e eu só olhava pro meu pai de rabo de olho, com vergonha:
- Bem, a Renata tá grávida. Adivinha quem é o pai.
Meu pai vira para a Renata e tem uma das reações mais marcantes de toda minha vida:
- Ó como é que você engravida assim?
E abriu a cerveja. Meu pai é foda. Aos poucos as pessoas foram descobrindo a verdade que todo mundo já sabia, menos a gente. Meu amor pela Renata sempre cresceu em progressão geométrica, desde quando a gente era amigo/peguete. Eu sempre soube que um dia a gente ia acabar juntos. Era só questão de tempo. Ela esperava pacientemente enquanto eu quebrava a cara por aí, sem nunca desistir de mim. Se eu for lhe falar quando foi que percebi que era amor de verdade, eu diria que foi no dia que a gente marcou de encontrar minha prima (aquela do aniversário) para ser madrinha do nosso filho. No caminho de volta, enquanto eu dirigia, sorri para a Renata, peguei a mão dela e beijei. Foi ali que eu vi que era aquele seria o resto da minha vida.
Ainda hoje tem gente que vem me perguntar sobre o filho. A verdade é que perdemos quando tinha em torno de dois meses. Paia demais. Você se impressionaria do quanto isso é comum. O que eu acho é que essa criança veio apenas cumprir o papel dela, que foi nos unir. Não fosse ela, provavelmente eu e a Renata estaríamos de putaria até hoje. Agora a gente está tendo a chance de pensar e construir algo mais sólido, sem fazer nada no susto. E agora a gente está junto porque quer, não porque a situação nos obrigou. E os peitos dela ficaram maiores e mais redondinhos.
Essa mulher pegou uma cueca minha e fez alguma coisa. Certeza. Desde os tempos da amizade até hoje me hipnotiza de um jeito inexplicável. Ás vezes eu penso que só vivo de verdade quando estou do lado dela. O resto do tempo não passa de espera. O amor está além de questões superficiais como estilo, cor do cabelo, gosto musical, etc. Sei que agora posso descansar e parar minha procura. Estava na minha frente o tempo todo aquilo que busquei por muito tempo. Se você juntar todas as pessoas que passaram pela minha vida, não dá uma Renata. Nunca encontrei pessoa tão dedicada.
Justamente o que eu precisava: Uma pessoa carinhosa que se orgulha de mim, me apoia. Quem mais acharia engraçado toda vez que solto um pum? E olha que é o dia inteiro, hein? Uma verdadeira primeira dama, que permite que eu governe enquanto ela se encarrega dos projetos sociais. O fato de a família dela ter me adotado, fazendo marmita para mim todo domingo é apenas um pormenor. Um dia darei a ela um casamento tipo November rain. Só imponho algumas regras: Salgados de verdade. Nada de brochete de camarão ou folhado de damasco. Sem anteninhas, pisca-piscas e outras baranguices. E o mais imprescindível: Tem que tocar Ramones quando ela entrar. Te amo, meu bem.

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