sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Chinese Demora-se

Depois de ler um monte de reviews sobre o novo disco do Guns ‘N’ Roses, tive uma idéia original: Chover no molhado. Muitas das idéias abaixo foram descaradamente tiradas de outrem. Sei que o blog de música é o do vizinho. Na verdade, quando tive a concepção de começar a escrever, a idéia era fazer algumas resenhas de disco também. Mas achei que ia virar uma bagunça se misturasse as coisas. Além do mais, Édio Azevedo e Leonardo Torres já as fazem com muita propriedade. Mas acho que esse merece uma exceção. A propósito, no mês que fiquei sem postar me senti como Axl Rose, guardadas as devidas proporções. A todo momento me surgia uma coisa nova que parecia me afastar do Abatedourus.

Ainda na década de 90, algumas de minhas músicas preferidas do Guns eram proféticas. Em Pretty Tied Up: “Era uma vez uma banda de rock and roll/Vagando pelas ruas/O tempo passou e ela se tornou uma piada”. Mais espantosamente ainda, em 14 Years: “Foram 14 anos de silêncio/Foram 14 anos de dor/Foram 14 anos que se foram para sempre/E eu nunca terei de novo”.
Para quem não sabe, depois de 14 anos de cu doce de Mr. Rose, o Chinese está a venda. Nem parece, já que não vemos videoclipe passando na televisão, não se vê cartaz em lojas de música, muito menos se sabe onde o vocalista se encontra. Era de se esperar que um projeto desta magnitude fosse acompanhado de uma campanha de marketing igualmente megalomaníaca. Se Axl tiver desaparecido para sempre, esse disco se torna um clássico instantâneo.
Olha, o Chinese é um disco muito bom, mas ele deveria ter sido lançado lá em 90 e poucos. Ou mesmo poderia ter sido lançado agora, depois de anos de ostracismo de seu criador. O problema é que a produção do álbum está sendo anunciada a mais de uma década e este se tornou o disco mais caro da história. A expectativa era de que no mínimo fosse a última bolacha do pacote.
Fazia uns três anos que eu entrava quase todos os dias na internet obcecado por novas músicas vazadas. Confesso que, depois de ter saído oficialmente o disco, a coisa perdeu muito da graça. Ainda mais porque a maioria das canções já era conhecida dos fãs. Aliás, alguém sabe explicar como uma música vaza num blog qualquer? De que fonte esses blogueiros tiram as músicas? Por que nunca descobriram o funcionário do estúdio que as repassou?
Sei lá por quantos anos vazavam sempre as mesmas quatro ou cinco músicas, porém cada vez com uma mudançazinha besta. E elas vinham sempre em pacotes. Nunca vazava uma solitária ou todas as músicas do disco de uma vez. Às vezes vazavam com o áudio ruim ou então somente um trecho. Logo depois, vazavam inteiras e com o áudio bom. Porra, se as versões boas já existiam, por que não vazavam de uma vez? Dá pra desconfiar, não?
A última que eles inventaram foi vazar o disco inteiro, mas acrescentaram um barulhinho chato pra caralho de CD arranhado. Olha, se isso tudo foi estratégico, é a estratégia mais esquisita que eu já vi na vida. Mas deu certo. Nunca vi campanha tão forte para a compra do CD original quanto a dos gunners. Quase aderi, mas acabei optando pelo pirata mesmo, só para o Axl deixar de ser besta.

Também não ganharia muito com o CD original, já que o encarte parece feito nas coxas, com um monte de foto tirada da internet com tratamento de Photoshop. Não tiraram sequer uma foto exclusiva. Nem foto da banda inteira junta. Isso pra não falar da bicicletinha.
Todas as vezes que eu ouço o disco eu penso: “Porra, não sei como o pessoal não gosta desse disco, ele é muito foda. Belíssimas canções”. Agora, não cometa o erro de ouvir um da antiga formação logo depois. Verá que não tem comparação. Os discos Use Your Illusion I e II tem 30 músicas muito mais bem elaboradas do que as novas e foi feito em apenas três anos. Axl virou uma espécie de Dorival Caymmi, escrevendo uma música por ano (14 anos, 14 músicas). Entretanto, um crédito que dou ao novo disco é que todas as músicas mostram seu lugar no disco, enquanto nos Illusions claramente metade estava ali pra fazer volume.
Muitos criticam quem compara a nova com a antiga banda. Ora, mas tendo o mesmo nome fica difícil não fazê-lo. Aliás, é a maior cara-de-pau deste senhor manter o nome. Para isso, ele deveria manter os membros originais. Ou o estilo original. Não manteve nem um nem outro. Se não queria comparações, deveria dar outro nome qualquer. Mas do mesmo jeito que não concordo com a ruptura, também não queria que fizesse como o AC/DC, que sempre lança o mesmo disco, só diferenciando um do outro pelo nome.
Comparo o New Guns e seu disco novo com um automóvel New Beatle. Tem o mesmo nome do Old (Guns, Beatle), porém é infinitamente mais caro e não tem nem a sombra do charme original. Em muitas críticas que li, a palavra “datado” aparece ao se referir ao álbum. E é verdade. Não tem como pensar em outra coisa quando se ouve aquelas batidinhas eletrônicas. Porra, esse troço saiu de moda faz tempo, já. Sério, acho que mais da metade das músicas do disco tem batidinha eletrônica. E bem toscas, por sinal. Estão no nível das que eu faço aqui no meu computador, por diversão.

Ao mesmo tempo que esse disco pode soar superproduzido demais, as batidas eletrônicas dão um tom de amadorismo. Se fossem tiradas, as músicas melhorariam 50%. Outra coisa: As novas músicas são muito destoantes uma da outra, o que deixou o disco sem cara.
O Ganso nas Rosas era formado por cinco pessoas que não tocavam porra nenhuma, mas juntos tinham química como nenhuma outra banda. Vocalista desafinado, baterista “relojinho”, baixista tosco. Mas juntos eram perfeitos. Somente aqueles cinco caras podiam fazer aquele som. Cada membro tinha a sua personalidade própria, mesmo assim dando uma cara para a banda.
Quando vi a nova formação no Rock In Rio 3, achei que a preocupação maior de Mr. Rose foi de botar ali todo tipo de maluco. Tinha um gótico, um punk, um clubber, um cara new metal, um cara esquisitasso. Quis colocar muita gente na banda (oito membros) para suprir os antigos, o que acabou deixando a banda sem personalidade. Porra gente, isso é banda de rock. Dava pra tirar uns dois ou três membros dali facinho, facinho. Até agora estou sem entender o porquê de dois tecladistas e três guitarristas.
A essencia do rock and roll está na espontaneidade. O disco Apettite For Destruction tinha isso. Aliás, muitos estavam esperando um novo disco como o Apettite. Agora, um disco que teve mais de dez anos de produção pode ser tudo, menos espontâneo. Inclusive, se não fosse superprodução, eu me decepcionaria.
Todo mundo tem, entre as bandas favoritas, alguma que destoa totalmente das outras. E geralmente, mesmo que não seja a predileta, se é obcecado por ela. No meu caso, é o Guns. Quando era um adolescente punkinho, tinha maior vergonha de ser fã deles. Depois que a gente fica velho, deixa a viadagem de lado. E dá porrada em quem zoa a gente.

Acho que o maior motivo de as pessoas terem preguiça do Guns é justamente seus fãs. Boa parte só ouve eles e mais nada. Ou então ouve eles e também César Menotti e Fabiano (como alguns leitores deste blog). E, por o Guns ser uma banda popular, concentra muita gente burra. Dê uma passada na comunidade deles no Orkut agora. Aposto que você acha alguém falando asneira. Tópicos do tipo: “Guns é bom demais, né não?”. Não amigo, a gente tá aqui porque odeia eles. Gostamos de sofrer. Ou então alguém cria o tópico: “Qual é a melhor música deles?”. Porra, você não pensa que um tópico óbvio desses talvez já tenha sido criado? Isso pra não falar nos erros grotescos de português. Maldita inclusão digital.
A maior parte dos não iniciados só conhece o Axl e o Slash, mas o talento maior naquela banda estava em Izzy Stradlin, guitarra base. As melhores composições eram dele. Além de ele ser o responsável pela pagada rock and roll da banda. Apesar disso, o trabalho solo dele não é lá essas coisas. O de nenhum deles é.
A propósito, outro fator prejudicial da nova banda é que agora não ouviremos mais os outros membros cantando. A voz do Axl pode ser muito irritante às vezes. Apesar de a maioria associar o Guns às mega baladas tipo November Rain, era uma banda bem elética que tinha blues, country, metal, hard rock, punk, hardcore e progressivo. Aliás, a parte que eu menos gosto deles são as mega baladas. Apesar de ninguém fazê-las como eles.

Façamos um faixa-a-faixa do Chinese Democracy:
Chinese Democracy: Musiquinha sem graça. Mas com uma estrutura peculiar: Verso-ponte-verso-ponte. Não chega no refrão nunca, o que gera uma tensão interessante. Merece algum crédito por ter sido acrescentada na versão final uma guitarrinha que lembra o antigo Guns. E por terem tirado a bateria estilo White Zombie.
Shackler’s Revenge: A primeira vez que ouvi, pensei: Música do filme Mortal Kombat. Na minha opinião, a melhor do disco. Nunca ouvi rock industrial na minha vida, mas sempre gostei de música pesada. Se Oh My God (outra nervosa) tivesse entrado no disco, também estaria entre as melhores. A introdução parece o barulho de máquina de xerox. As guitarras são muito esquisitas, ou seja, legais.
Better: Musiquinha legal. Popinha. Mas no meio tem um monte de efeitos eletrônicos e solos de guitarra desencaixados. Ficou estranho pra caralho.
Street of Dreams: Pela última vez gente, essa é a antiga The Blues. Todos os dias na comunidade do Guns aparecia alguém falando: “Ué, cadê a The Blues, ficou de fora?”. E sempre alguém tinha que explicar que o nome foi mudado. Agora realmente é de se estranhar uma música ser conhecida de todos a vários anos por um nome e, em cima da hora, ter o nome título trocado. Sempre odiei essa música, mas agora tô começando a achar ela legal. Ficou bem encaixada no disco.
If The World: A música que mais destoa do resto de suas coleguinhas. Seria ótima para ser cantada por um daqueles intérpretes de vozeirão e que usam smoking. Mas não tem nada a ver com o timbre de Axl ou com uma banda de rock.
There Was A Time: Quando vazou, era a minha preferida. A melodia é tão bonita. Tem ainda as vozes dos coroinhas fazendo coral. Mas a letra contrasta totalmente. A abreviação do título forma TWAT (buceta). Daí dá pra perceber o conteúdo. O que acabou fudendo tudo na versão final foi a batida eletrônica.
Catcher In The Rye: Achava essa música linda antes. Agora nem tanto. Fecha a trilogia do nananana (Better e If The World são as outras). Pelo amor de Deus, pôr nananana numa música é muita biscatice.
Scraped: É isso aí. Scrap não é só o nome dos recadinhos do Orkut. Também é nome de música. Se a faixa de abertura do disco não se chamasse Chinese Democracy, esta deveria ser a primeira. É perfeita para isso. Axl tá cantando pra caralho nela, com um monte de variações na voz. Provavelmente a que mais se aproxima do que era a banda em Apettite For Destruction. Tem algo de Out To Get Me nela (as duas têm refrão sem melodia).
Riad N The Bedouins: Nunca gostei dessa música. Agora ela tá bem melhor, mas continuo não gostando. E os gritos de oh oh oh são o ó. Chatíssimos.
Sorry: Já ouvi essa música várias vezes procurando a voz do Sebastian Bach mas até agora não consegui ouvi-la. Li em algum lugar que essa deveria ser a música usada para se colocar a nova e a antiga banda no mesmo patamar. Não poderia concordar mais. Ela mostra como o Guns pode ser muito bom tocando um estilo bem diferente do antigo.
IRS: Se você repetisse o título várias vezes, ia virar risada de MSN. Para mim, parecia bem óbvio colocar uma bateria estilo Iggor Cavallera (papatumtum papatumtum). Não sei como eles não pensaram nisso. Talvez o sumiço de Axl seja para promover essa música: “Eu vou chamar o presidente/Vou chamar o detetive particular/Vou pegar o IRS/Vou precisar do FBI”. De qualquer forma, essa faixa é digna de um “skip”.
Madagascar: Não, não é cover da banda Reflexus (Madagascar/ Ilha, ilha do amor). Música linda. Seria mais bonita se não fosse a programação de bateria.
This I Love: Parece música de algum desenho da Disney. Algo que a Gata Borralheira cantaria no momento mais triste do filme. Mesmo assim, raras vezes vi alguém cantar com tanto sentimento.
Prostitute: Popinha, popinha. Pianinho safado. Ao terminar de ouvir o disco, dá vontade de colocar no “repeat”. O segredo está no tecladinho que tem no final dessa música, que dá a impressão de algo interminado. O disco vai crescendo dentro de você a cada ouvida.

Baixe ilegalmente o disco:
http://rapidshare.com/files/170005782/GN_RCD2008.rar

“Opinião é que nem bunda. Cada um tem a sua.”
Diz aí, você gosta de dar sua opinião?

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Você está falando é com homem, não é com moleque não

Uma série de coisas me aconteceu nas últimas semanas. Primeiro meu computador deu pau. Foi consertado, mas depois tive que resolver assuntos referentes à transferência de propriedade da minha carruagem. Quando finalmente me sentei para escrever uma nova bobagem, descubro que o carinha que consertou meu computador não instalou o Word nele. Tive que baixar uma versão pirata, o que demorou horas. Além de tudo, meu horário de trabalho foi novamente mudado, me deixando menos tempo para escrever. Conforme alardeado anteriormente, a história de hoje teve metade escrita antes e metade escrita depois dos acontecimentos acima relatados. Acho que vai dar pra perceber isso.


O personagem se chama Diógenes. Tem 26 anos e trabalha como professor de legislação de trânsito em uma auto escola num bairro coladinho ao seu. Gasta 15 minutos de caminhada para o trabalho. É um desses caras gosta de se enganar, colocando o despertador para tocar meia hora antes do horário de levantar. Mas quando você se auto-engana-se a si mesmo e está ciente disso, a coisa perde o efeito. Aliás, as pessoas estão quase sempre a par do que elas mesmas tramaram:
- Nossa! Tá na hora, tá na hora, tá na hora!...Ah não! Ai que susto! Ainda tem mais uns minutinhos.
Para ajudar, o preguiçoso dorme com a janela escancarada, para que a alvorada intencionalmente atrapalhe seu sono. Ainda assim, é comum a anta botar o travesseiro por cima da cara e dormir mais 40 minutos. Se assusta e sai correndo para o trabalho, sem banho, azedo, com a cara amassada, com o cabelo despenteado e cheio daqueles pelinhos de travesseiro. Isso para não falar nos dias em que dorme com a namorada e eles fazem vuco-vuco antes de dormir. Veste o uniforme por cima da porra cristalizada na barriga.
Ainda assim chega atrasado. Vez ou outra até que vai, mas acontece com muita freqüência. O foda é que a mesa do chefe fica imediatamente de frente para a entrada. Nem tem como ele subir para a sala de aula passando despercebido. Ao avistar o jovem professor, o chefe olha para seu relógio de pulso; olha para o relógio na parede atrás de si, como que para confirmar. Com um olhar de reprovação, diz, precisamente:
- Hauomenpf.
Claro que em nenhuma profissão se deve chegar atrasado, mas provavelmente a de professor é a que isso mais se acentua, já que tem uma turma inteira que paga caro para assistir as aulas e que fica na sala esperando a boa vontade do bonitão em aparecer. Quando chega no recinto, já tá todo mundo prostituto com ele. Além disso, professor não pode faltar. Nem sair para atender o celular. Quer dizer, poder até pode, mas pega mal pra caralho.
Uma coisa sempre frustou Diógenes: Ralava igual um burro de carga ensinando os outros a dirigir, sendo que ele próprio sequer tinha um carro. Como diria o poeta, ele não tinha nem merda no cu para cagar. Enquanto isso, alunos de 18 anos ganhavam carros novos do pai e mulheres gostosas ganhavam de seus maridos 40 anos mais velhos.
Dois anos dando aula, frustrado por andar a pé, quando a oportunidade surgiu. Um senhor chamado Renato, que comia Ione, tia de Diógenes, parcelava um carro no valor de oito mil reais pela Finasa. Porém, precisou de dinheiro para fazer sabe-se lá o que quando estava lá pela nona parcela. Ione adorava o filho da irmã. Tanto que, mesmo este tendo um nome horroroso, resolveu chamar seu próprio rebento também de Diógenes. Sabendo que o sobrinho queria comprar um carro, Ione colocou ele e o Renatão-comedor-de-tia em contato. Diógenes deu os três mil pagos por ele até então e assumiu o restante do carnê. Um acordo de cavalheiros feito na esfera amigável.
Algumas semanas depois, nosso guerreiro foi na casa da tia buscar os documentos. Em lá chegando, descobre que ela não está mais dando para Renato, que revelou-se um psicopata. Nas duas horas em que esteve lá, testemunhou as mensagens que ela recebia: “eu t amo, volta p mim”; “voce e uma cachorra vadia vai morrer n inferno”; “um amor tao lindo n se perde deste jeito”; “quer saber ja t esqueci. e nem adianta vir m procurar viu”; “ estou n porta d sua casa”; “acabou tudo?”. Foi aí que ele entendeu algumas mensagens estranhas que recebeu duas ou três vezes: “preciso falar c sua mae”; “amo voce como s fosse um filho”. Obviamente o doidão achava que aquele era o número do priminho de dois anos. Precoces essas crianças de hoje, né?
Rolou um medinho de que o obcecado amante o ameaçasse ou o acuzasse de roubo. Vai lá se saber; esses psicopatas não costumam ter a cabeça muito no lugar. “Se esse viado vier me ameaçar, eu pego esse carro e subo e desço essa Avenida Coronel Mequesquela a cem por hora umas dez vezes. As multas vão tudo pra casa dele”.
Bem, para que Diógenes passasse o carro para seu nome, obviamente era necessário primeiro passar o parcelamento para seu nome. Foi até a Finasa precavido. Já sabia que esse tipo de pessoal adora cobrar taxa por qualquer servicinho besta. “Por segurança, vou levar uns cem reais no bolso. Qualquer taxa que eles me cobrarem eu pago hoje mesmo”.
- Boa tarde. Por obséquio, como eu faria para transferir o custeamento de um automotor que está no nome de outrem para o meu próprio?
- Bem, o senhor preenche esse cadastro aqui e paga uma taxazinha de serviço.
- Hummm. Aí seria quanto? Cinco, dez reais?
O atendente da financeira, distraído com algo atrás de si:
- Centosrrais.
- Perdão. Quanto?
Agora limpando a boca com as costas da mão:
- Centosrrais
- Mas hein?
- Seicentos reais. São cem para pagar o investigador, que precisa ver se você não tem nome sujo, se tem condições de assumir o financiamento, essas coisas. E mais quinhentos que é referente aos encargos de tranferência.
Aí nosso herói perdeu a classe:
- Seicentos conto? Cês tão tudo doido, gente? Porra, quanto pode custar uma merdinha de um talão desses? É só imprimir um aí agora com outro nome.
Prosseguiu o raciocínio, agora dando tapinhas no ombro do atendente:
- Quer saber? Vai ficar no nome dele. Tô nem aí. Não pago essa taxa abusiva mas nem a caralho!
O atendente fez um bico enquanto balançava a cabeça com uma expressão de quem diz: “Foda-se”. A multa pela não transferência de propriedade dentro de um mês é de 130 reais. E é sempre esse valor, independente do tempo demorado. Era melhor para Diógenes pagar dali um ano os 130 de multa do que pagar 600 de imediato.
Estava tudo correndo bem até ele ser pego numa blitze com o pneu “calvo”. Como o carro estava no nome do Renatão Comedor, a multa foi parar na casa deste último. Deu alguns dias até Diógenes receber um telefonema. Uma voz desequilibrada do outro lado da linha:
- En-engraçado, chegou uma mu-multa aqui na minha casa desse carro que eu vendi para você. Escuta, vo-você ainda não passou esse carro para o seu nome na-não?
- Nnnn.
- Pode-se saber o porquê?
- Olha, eu cheguei lá na Finasa e eles me cobraram 600 reais. Eu não tenho essa fortuna toda. Você sabia dessa taxa?
- Rapaz, eu não quero sa-saber. Arranja esse dinheiro. Dá o seu jeito.
- Porra. Arranja? Você acha que é assim? 600 reais: Puf! Arranjei.
A anta fala estalando os dedos como se o interlocutor o visse.
- O-olha não sei se você estuda ou coisa assim. Pe-pega com o seu pai, sei lá.
- E você acha que eu vou chegar para o meu pai e falar: “Pai, me vê seicentinhos aí”. Você conhece meu pai, cara? Espera um pouquinho, que daqui uns meses eu passo para o meu nome.
- E se-se você, Deus que me perdoe que i-isso não aconteça, e se você atropelar um pedestre? E-eles vão vir atrás de é de mim, não de você.
- Calma cara, o recibo já está em meu nome. Carimbado. Com data. Não tem como você sair culpado por nada. Eles podem até ir atrás de você, mas é só você me passar a responsabilidade. Eu tô aqui. Você sabe onde eu moro, meu número.
- Olha, você tá mu-muito mal informado. Na-não é assim que as coisas fu-funcionam.
- Eu, mal informado? Eu que sou professor de legislação estou mal informado, amizade? Então não sei quem está certo. Só se eu ensino errado aos meus alunos todos os dias. Porque você então não me empresta essa grana?
- E-eu não. Você que se vire.
- Tá vendo como não é fácil arranjar? Nem você que é parte interessada quis me ajudar. 600 reais é dinheiro, rapá.
- Vo-vou ter que entrar com um empendimento e você não vai po-poder nem rodar com esse carro.
- Velho, se eu não fiz a transferência o problema é meu a partir de agora. Depois eu vou ter que pagar uma multa por isso. Normal.
Renatão Doidão alugou o ouvido de Diógenes. Ligou várias vezes para saber se ele já tinha pago a multa e quando é que ele iria trasferir o carro para seu nome. E sempre recorrendo ao caso do pedestre atropelado. Diógenes:
- Olha, eu nem falei que era você que devia ter pago os 600 reais. Sim, porque o interesse maior era seu em vender. Não te falei porque achei a taxa abusiva. Acho que nem eu nem você devaríamos pagar. Aliás, aquela multa, você é que deveria ter pago. Você é que me vendeu um carro com o pneu careca. Você não foi homem de ter me avisado.
- Grraumf.
- ...me vende um carro com pneu careca e fica aí reclamando da vida.
Alguns meses depois:
- Di-diógenes, você tá rodando com esse carro?
- Aaaahhh.
- Eu se-sei que você tá andando com e-esse carro. Eu te vi uma vez na rua com ele.
- E nem cumprimentou?
Historinha estranha essa. A cidade tem muitas pessoas e muitos Escorts Hobby. Faltando quase dois meses para acabar de pagar o carro:
- Calma, cara. Eu não vou passar em cima de ninguém não, fica tranquilo. Você tá obcecado com essa história de eu atropelar uma pessoa. Espera só mais uns meses que eu vou tomar cuidado, tá? E se acontecer alguma coisa, pode vir me procurar que eu assumo. Você tá falando é com homem, não é com moleque não.
- Olha, se você na-não passar esse carro para seu nome a-até o fim do mês eu vo-vou te tomar esse carro, rapaz.
Parecia insensato pagar a taxa de 730 reais quase no último mês. Bem, mas sensato era uma coisa que Renato não era.
Parece que é só falar que a desgraça acontece. Era o primeiro dia do horário de verão. Todo mundo sabe que neste dia o pessoal ainda não está acostumado. Muitos acabam se atrasando para o trabalho. Ainda mais nosso combatente que usava a luz do amanhecer como artifício para acordar. Cinco da manhã, ainda mais no horário de verão, tá um breu total. Quando acordou definitivamente, olhou no relógio. 6:32. Ele já deveria estar dando aula. Desde que adquiriu o carro, ia trabalhar motorizado nos dias em qua saía tarde de casa. Ganhava uns cinco minutos com isso. A víbora da vizinha, ao ver o jovem correndo as escadarias do prédio, diz maleficamente:
- Bom dia, Di. Como está?
Claro que não houve resposta. Na escuridão das ruas, saiu enfiando o pezão no acelerador. Dirigia tremendo e o coração lhe saía pela boca. Sabia que o chefe estava ficando farto dos seus atrasos. Para completar, chovia. Bem, você já deve ter imaginado: Ele atropelou um pedestre. Pegou bem no estômago. Bateu a cabeça no poste. Estava ainda no quarteirão de casa. Rapidamente lhe veio na cabeça a imagem do Renatão imitando a motinha do Carangos e Motocas:
- Rá! Eu te disse, eu te disse.
Mas não dava para fugir e abandonar o acidentado ali, como ele filantropicamente pensou. Com certeza, através da intrometida vizinha, chegariam nele. Teria que levar o infeliz para o hospital. Porém, sabia que o chefe não seria tão compreensivo se ele ligasse justificando sua falta. Seu emprego já estava por um fio. O atropelado, ainda meio inconsciente:
- Ai minha cabeça....Onde estou? Tô vendo uma luz. Minha vó. Meu cachorro Bobby. E olha, também tô vendo a.....
Levou um socão na cara. Diógenes abriu o porta-mala e lá colocou o desconhecido. Se imaginou usando um chapéu de lado, um terno bem cortado e um charuto no canto da boca, como o personagem de um filme de gângster que havia visto. Foi difícil se concentrar em dar aula naquele dia. Não conseguia tirar da cabeça o pobre rapaz preso no porta-malas. Nem sabia o que ia fazer com o corpo.

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Teste: Você é mala?

Enquanto meu computador não é consertado, deixo-vos com um texto que li outro dia na internet e que me deixou muito triste. Faço (ou fazia) a maior parte das coisas citadas abaixo:



1. Almoço em grupo. Mesa retangular. Um de seus colegas, o Fulano, se senta numa das pontas da mesa. A primeira coisa que você diz é: “O Fulano vai pagar a conta”.- Você é um MALA.
2. Início da madrugada. 1h16… Alguém lhe diz: “cara, amanhã vou acordar às 7h”. Você se apressa em dizer: “Amanhã não. Hoje”.- Você é um MALA.
3. Seu colega chegou mais tarde no trabalho e resolveu almoçar em casa. Quando ele chega ao local de trabalho, você o convida para almoçar e ele lhe esclarece que já almoçou. É quando você, ágil como um sapo apanhando uma mosca, solta a frase: “então você já veio comido?”.- Seu babacão… mala.
4. Ou pior, o seu amigo chega atrasado no serviço e diz sorrindo: “Bom dia” e você responde: “Boa tarde!!!”- Você é um MALA.
5. Quando as pessoas estão cantando parabéns, você tenta embolar a cantoria, gritando os versos do início da música, enquanto todos já estão no meio da canção.- Bingo!!! Você é um MALA.
6. Você fica rindo quando um homem diz que tem 24 anos, aludindo ao número do veado no jogo do bicho.- Você é um MALA.
7. Você faz alguma piada quando alguém diz que é do signo de virgem.- Vai ser MALA assim…
8. Você diz para um amigo: “se esconda” quando passa o carro da polícia.- Você é um MALA.
9. Quando uma mulher diz que está “de saco cheio”, você diz: “- ué isso não é possível porque ela não tem saco”.- Precisa dizer de novo? Seu MALA!
10. Se a anfitriã anuncia: “Temos pavê de sobremesa” e você pergunta: “é pra vê ou pra comer?”- PQP, como você é MALA!!!

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Meu computador deu pau

Não, esse não é o título de uma nova crônica, mas sim uma constatação. Estou usando o computador do trabalho e olhando para trás de dez em sez segundos para ver se o chefe aparece. Tem um texto escrito pela metade lá em casa e ainda não sei quando o completarei. Antes uma mini-crônica: Certa vez meu monitor deu pau e eu o entreguei ao meu colega de trabalho, desses que entendem de informática. Dois dias depois eu pergunto: "E aí, você deu uma olhada no monitor?". Ele: "Dei. Mas parece que vai ter que abrir mesmo". Porra, claro Que vai ter que abrir. Dar tapinhas nele eu já estava dando. De qualquer forma, é ele qeu vai olhar meu PC desta vez denovo.

Grato pela compreensão de todos.

Tio Didi

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Retrato do calouro

Mocidade, já faz algumas semanas que decidi manter a média de escrever uma bobagem por semana. Sei que todos ficaram ansiosos por um novo texto semana passada. Quer dizer, ninguém disse isso pra mim, mas acho que por vergonha. Por vários motivos não deu, tendo-se em vista que gasto em média umas quatro horas (isso mesmo) para escrever cada petardo. Para compensá-los, venho aqui publicar mais um texto véio. Este foi escrito há uns seis anos, mas acho que não mudou muita coisa neste assunto de lá para cá. Coincidentemente guarda alguma conexão com o texto anterior. Aliás, depois de lê-lo entendi porque não trabalho como jornalista hoje. Novamente, dei uma editada.

Engraçado, toda vez que eu ouvia a palavra “calouro” eu pensava no Show de Calouros, do Silvio Santos. Para mim, calouros era um bando de aspirantes a cantor brega. Mas deixa pra lá (...tome já Maracujina que vem do maracujá), não é disso que este texto trata. Ele vem é tratar dessas pessoas entusiasmadas com o novo curso, acostumadas com colégios, onde você realmente tinha que estudar. Falam de boca cheia, orgulhosos, quando dizem que estão na faculdade. Prestam atenção em todas as matérias, como se todas elas fossem importantes na formação deles. E olha só, justamente no primeiro período, onde quase tudo é teórico (lê-se inútil). Já reparou no tanto de gente que você só vê um semestre, depois tomam Doril? São pessoas que se decepcionam com o curso porque achava que iam chegar na faculdade já praticando jornalismo ou publicidade.
Os calouros lêem todos os textos que os professores mandam, não importa quantas páginas tenha, mesmo que seja só para uma discussão em sala de aula, sem valer nota. Deve ser porque eles têm tempo livre sobrando, já que a maioria não trabalha. Percebe-se isso pela feição tranqüila e bem-dormida deles. Vão e levam a sério todas as atividades extra-classe. Honestamente, me dá dó quando vejo estes seres fazendo enquetes no prédio, levando mini-gravadores e bloquinhos para tudo quanto é canto, anotando tudo o que dizem naquelas palestras ultraboçais. Coitados, ainda vão se decepcionar tanto! Não sabem que o primeiro ano de faculdade é só para tomar cerveja.
Outro dia me veio um pessoal no laboratório de vídeo para editar um trabalho de –pasmem – Filosofia I! E os trabalhos em grupo então, em que todo mundo faz tudo? É sabido pelos veteranos que o melhor jeito de se fazer trabalho em grupo é cada um fazer uma parte, ou então deixar os outros fazerem tudo para você e, no próximo, as coisas se invertem. Já para eles, é preciso sempre que todos se reúnam na casa de um deles para fazer o trabalho. Todos sabem que nessas reuniões fica todo mundo comendo pão de queijo e ouvindo música, e o que menos rola é trabalho. Depois, todos os seis vão entrevistar o Seu Zé Carlos. Parece até que os seis vão pegar o mini-gravador e colocar na boca do cara. O detalhe é que, apesar de levadas a sério, as entrevistas são sempre a picareta das picaretas. O entrevistado é sempre um colega ou mãe de alguém do grupo. Parece até que eles são um bando de atores frustrados que não passaram em Artes Cênicas, porque é impressionante: Todo trabalho, de qualquer matéria, tem de ser apresentado na forma de teatrinho. “É, vai ficar massa. Nenhum grupo teve essa idéia!”
Os calouros são ou únicos que aparecem todos no intervalo e somem todos no horário de aula. Isso ocorre porque eles ainda estão acostumados com aquele esquema de colégio, onde só se saía da sala para ir ao banheiro, isso se a professora deixasse: “Ô tia, posso ir no banheiro fazer cocô?”. Chega a hora do intervalo – recreio, como eles costumam chamar – todos eles saem das salas para se socializar com os novos colegas. Já não bastam aquelas biscates dinâmicas de grupo que sempre ocorrem nos primeiros dias, onde se organizam as carteiras em círculo e cada um conta sua história, onde estudou e porque escolheu aquele curso. As rodinhas de conversa dos veteranos possuem no máximo cinco pessoas. A dos calouros não: É a maior rodinha de conversa jamais vista em todo o prédio. Já não é mais uma rodinha; é bem maior: É uma roda! Tão grande que até faz curva. Isso porque as panelas ainda não estão definidas. Eu me lembro das pessoas com quem eu conversava nas primeiras aulas, como mudaram totalmente nos dias que se seguiram.
Nessas rodas as conversas são assim: “Onde você estudou? Mesmo? Você conhece o Rato? E o negão? Nó, eles são mó chegado meu. Onde você fez cursinho? Ah, então você estava no sétimo período de engenharia elétrica quando desistiu. O que você está achando do curso?” Repararam no tanto de ponto de interrogação? É porque eles ficam obcecados em se conhecer, provavelmente com medo de ficar sem amigos. Uma pequena demonstração da natureza sociopata dos calouros: Você se lembra do primeiro período, o tanto de churrascos, reuniões na casa de não sei quem, botecos a que foi?
Em Ouro Preto, calouros são chamados de bichos. Lá sim eles são zoados, usando fraldas na rua, com cabelos dignos de fazer inveja ao mais punk dos punks. Têm que andar na rua com placas do tipo: “Procuro uma vaga na república Quitandinha e sou um viado de mão cheia”; “Meu nome é Zé. Me dê uma piaba que eu a-do-ro”. Já aqui, fomos censurados de fazer esse tipo de sacanagem. Pô, qual é a graça de se estudar em uma faculdade se não se pode humilhar ao extremo um calouro?
Aqui vão algumas dicas para você, se algum dia, por ironia do destino, voltar a ser calouro: Muito cuidado com o que falar e fizer nos primeiros dias. È aquela imagem que os outros terão de você para sempre. Ao olhar para você, vão sempre pensar naquela cena do primeiro dia, Tome cuidado dobrado, não não, tome cuidado triplicado com o figurino que você usar no primeiro dia. Pode até pegar apelido. Um conhecido meu foi de camisa laranja no primeiro dia e virou o Cenourão para o resto da vida. Um outro chegou na república usando chinelos e ficou como sendo o Chinelinho. Não precisamos ir longe buscar exemplos Eu mesmo costumava usar camisas floridas, me rendendo o apelido de Ace Ventura. Como se sabe, até hoje sou conhecido como tal.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Aves de rapina

Sidney sempre quis ser repórter policial de TV. Desde que apareceu o Notícias Quentes, quando tinha apenas cinco anos, ficava encantado com as imagens de defuntos e alucinado com as seqüências em que repórteres acompanhavam o trabalho dos PM’s: “Cuidado aí, Paixão...puff puff...olha lá, a polícia tá atirando no bandido...puff puff”. Ao completar o ensino médio, resolveu então entrar na faculdade de jornalismo. A família fazia até um trocadilho infame com o nome do rapaz:
- Então você é que vai ser o novo “Sid” Moreira?
- É tio, o Cid Moreira é do caralho. O melhor jornalista que eu conheço.
Apesar das piadinhas ácidas, não era dos mais brilhantes alunos. Por conseguinte, só conseguiu entrar na Estácio de Sá. Mas conseguiu se destacar dentre a turma de analfabetos, pelo interesse e entusiasmo que tinha pelo sangue e as seqüências de perseguição. Tanto é que, depois de ver os jornais do final da tarde, seus preferidos, ele gostava de ver daqueles filmes nacionais, que mostram toda a desgraça do Brasil, ou filmes de ação, tipo Um Tira da Pesada.
Vendo o interesse do menino na miséria humana, um professor conseguiu para ele um estágio na Rede Bolota, a poderosa. O fato de o professor ter jeito de viado o deixou meio receoso de um dia ter de fazer teste do sofá. Mas não podia deixar uma oportunidade dessas passar. “Se ele me chamar pra ter uma conversa na sala dele, dou um jeito de abrir as persianas”.
Logo no primeiro dia de Sidney levando cafezinho para os repórteres, a atriz Nívea Monteiro resolve dar entrada num hospital com um desses problemas de velho. Dois minutos após a notícia, Sidney vê o braço de um dos fodões da TV para fora da porta, com um papel na mão:
- Ô estagiário, vai lá na fitoteca, procura essas novelas aqui e leva na ilha de edição. Correndo, porque isso tem que estar pronto antes do Jornal Bolota!
Fizeram um VT com os melhores momentos da atriz na emissora, seu casamento com o ator Otávio di Soares, e tudo mais. No dia seguinte Nívea Monteiro sai do hospital. Não era nada sério. O fodão:
- Ah, não faz mal. É bom que o VT já fica pronto pra daqui uns dois anos.
Tocado pela sensibilidade dos colegas, Sidney pensou: “Aqui é meu lugar!”.
Quatro meses depois era carnaval. Apesar de a possibilidade de ficar para ver os blocos caricatos ou ver o desfile pela TV serem realmente tentadores, nosso herói resolveu viajar para o interior com os colegas estagiários da Bolota. Pelo menos os que não tiveram que ficar para cobrir os agitos da folia de Momo. Os excursionistas botaram suas roupas de mulher na mochila e foram para Lugarejo. O nome da cidade era auto-explicativo. Sidney foi dirigindo.
No dia da viagem tava tendo uma daquelas chuvinhas de molhar bobo. Sabe daquelas que nem vale a pena você abrir o guarda chuva? Foi o suficiente para o carro perder o controle e deslizar. Desmanchou seu carro de frente com uma carreta. Talvez o fato de, na hora da batida, Sidney estar procurando o CD que iria colocar no som tivesse algo ver com o descontrole da direção. Vai saber. Ironicamente, na hora do acidente estava tocando “A procura da batida perfeita”, sucesso na voz de Marcelo D2.
Na hora, um monte de cálculos se passou na cabeça do rapaz. A frente de sua carruagem tinha toda ido para o saco. “Mil e quinhentos reais de preju”, pensou. Fora a carreta, que fazia a primeira viagem da vida, e teve o pára-choques e um farol destruído. Aliás, que bela estréia. “Pode botar aí mais dois mil”.
- Isso não vai estragar meu carnaval. Reboca o carro de volta para a cidade e na volta eu vejo o que faço.
Preço do reboque: Mais duzentinhos. Não satisfeito em ver o rapazola naquela situação, o guarda rodoviário ainda tascou uma multa pelo pneu capilarmente desfavorecido: 130 reais. Um monte de soluções passou por sua cabeça.
“Acho que vou ter que vender meu corpo para poder pagar”. Olhou a si mesmo no reflexo do vidro do carro: O corpo não valia porra nenhuma. É, estava mesmo fudido. Deu vinte minutos, aparece um carro de reportagem, parando no acostamento. Sidney comenta com os colegas:
- Caralho, a gente que é jornalista é igual ave de rapina, né não? Não pode ver desgraça dos outros.
Eis que sai do carro Juliana, estagiária da Bolota. Justamente aquela que ninguém gostava. Aquela que não pensaria duas vezes antes de puxar o tapete dos colegas. O carro da reportagem estava indo e voltando na rodovia, à procura dos acidentes de carnaval. Até então tava tudo mais ou menos. Mas a visão daquela mulher realmente acabou com o carnaval da moçada. Juliana mal conseguindo disfarçar o sorriso:
- Oi gente, vocês por aqui! Mas o que aconteceu? Vocês bateram, é?
Sidney, falando entre os dentes, dando tapas no braço da colega:
- Pois é menina, bati, olha só.
O que ele queria mesmo era bater nela com a mesma força com que o carro bateu na carreta. Juliana:
- Ai gente, tomara que dê tudo certo. Espero vê-los em situações melhores. Beijos.
Só quando a desgraça acontece com a gente é que as coisas mudam de figura. Foi a partir daí que Sidney começou a se desencantar com a imprensa marrom (que não é aquela que publica notícias sobre a cantora Alcione).
Porém, horas depois, naquele mesmo dia, os amigos se vestiram de mulher e todos os problemas do mundo pareciam não mais fazer sentido. Recapitulando: Carro do Sid: R$1.500. Carreta: R$2.000. Reboque: R$200. Multa por pneu careca: R$130. Ver a piranha da TV, mas esquecer de tudo vestindo-se de mulher: Não tem preço.
A gota d’água veio três meses depois da folia em que os amigos se realizaram. Sidney foi acompanhar um repórter, cobrindo o caso de uma outra pessoa que também tinha perdido o controle da direção de seu veículo, em um desses bairros populares. Este motorista, porém, havia matado dois meninos, que possivelmente corriam atrás de um papagaio. Em lá chegando, Sidney viu uma imensidão de pobres com paus e pedras nas mãos, a fim de linchar o condutor. A polícia já havia isolado o local e botado uns sacos de lixo em cima das crianças. Capitão Soares disse aos repórteres:
- Olha, o elemento foi encaminhado para a delegacia, para que sua integridade física seja resguardada, correto?
No meio da pobraiada, um senhor insistentemente puxava a camisa de Sidney, que usava uma credencial:
- Olha eu vi tudo! Tudinho! Eu tava ali naquela agência bancária e esse cara tava lá também, bebinho da Silva. Pegou o carro e olha aí: Puf! Matou os menino!
O popular teve sua vontade realizada: Aparecer na TV. Mais tarde iria mostrar orgulhoso para a mulher. Só para confirmar:
- O jornal passa é às seis, né moço?
Minutos depois aparece a mãe dos dois. Não se sabia até então que eram irmãos. À essa altura já estava no local três emissoras de TV, dois repórteres e dois fotógrafos de jornais impressos e ainda um repórter de rádio. Cercaram dona Maria do Socorro com uma imensidão de câmeras filmadoras, câmeras fotográficas, microfones, gravadores. A maioria nem sabia de quem se tratava. Foram por osmose com a multidão, segurando um aparelho a menos de meio metro da mulher, apontando para ela e perguntando para o colega do lado:
- Mãe?
Confirmado o parentesco com os meninos, começou a pipocar um monte de perguntas cretinas:
- Como a senhora está se sentindo? Tá triste?
- Você tem algum recado para dar para o motorista?
- Qual o seu nome completo? E sua profissão?
- A senhora tem alguma foto sua com as crianças?
A coitada tira umas fotos da bolsa, mostra para as câmeras. Aquilo foi crescendo um certo nojo em Sidney que não agüentou. Subiu no banco do ponto de ônibus e discursou, vociferando:
- Olhe para vocês, não têm vergonha de si mesmos? Se fosse com vocês, acabando de receber uma notícia dessas, não iam gostar de ter um pouco de respeito? Aproveitando-se da pobre moça que é humilde e nem sabe o que é dignidade. Tsc tsc tsc.
Quer dizer, falar isso desse jeito mesmo ele não falou. Mas que pensou em falar, isso pensou.
Ainda faltava ver o que tinha acontecido com o motorista. A cavalaria se dirigiu para a delegacia. Lá descobriram que o cara era diabético. Estava tendo uma crise de hipoglicemia quando se descontrolou da direção e fez panqueca de criança. Os sintomas são os mesmos da embriaguez: Perda de equilíbrio, fala embolada, tonteira, palavras sem nexo. Daí a confusão que o pobre da agência bancária fez.
Minutos depois, sai da delegacia uma viatura com o bêbado/diabético no banco de trás. As aves de rapina cercam o carro com todo tipo de máquina que possa registrar o solene momento. Vendo isso, o hipoglicêmico esconde o rosto dentro da camisa, como se criminoso fosse. Na hora Sidney teve dozinha do rapaz tratado como um meliante e tendo que conviver com a morte de duas crianças para o resto da vida por causa de sua doença. Novamente deu vontade de fazer o politicamente correto discurso. Como ali não tinha banquinho, achou inadequado. Ao invés disso, foi para casa e não voltou mais à TV Bolota. Sequer voltou à faculdade. Desistiu de viver de carniça. Resolveu virar advogado. Essa raça sim presta.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Não fica me excitando que eu tô de sunga

Sônia é uma dessas mulheres que pensam que nem homem. Você conversa com ela uns cinco minutos e diz: “Velho, essa mina é um cara!”. Tudo isso conseguindo ainda manter certa feminilidade. Por exemplo, ela gosta de Lenine. Adepta da moda hippie, do alto de seus 35 anos, 70 quilos, olhos azuis e cabelos loiros, ainda dá suas cacetadas (com trocadilho, por favor). Trabalha como professora na Speak Slowly, conceituadíssima escola de línguas, onde já pegou vários alunos, a quem ela carinhosamente chama de ‘véi’. Sônia tem um vício: Homem pelado. Estranhamente não há nada de sexual nisso; simplesmente ela gosta de ver.
Começou quando tinha apenas cinco anos, numa reunião de família. Brincando com seus carrinhos, distraída, ajoelhada no chão, de rabo de olho ela olha para seu tio Zeca sentado no sofá, assistindo jornal, fumando. Todo mundo arrumado menos o Zeca, sem camisa e de short. Além de tudo, o Zeca sempre gostava de andar com o bichão solto. Uai gente, mas que troço gozado (com trocadilho, por favor) era aquele ali aparecendo debaixo do short do tio?
Desde então, sempre que vê um homem usando a peça, tenta dar um jeito de olhar por debaixo. Sequer diferencia se o homem é bonito, feio, magro, gordo. Sem pudor, fala da perversão para os amigos em mesas de buteco, justificando seu comportamento comparando-se ao sexo oposto:
- Você por exemplo, vê uma mulher com decote lá no umbigo, com uma saia mais justa que Deus, pode ser a mulher mais feia do mundo, pode ser uma velha, a mulher pode ter os peitos caídos, celulite, que você não vai conseguir deixar de olhar, não é, véi?
Sônia inclusive já se arriscou muito nas caças a rôlas. A parede que divide o banheiro masculino do feminino da Speak Slowly não vai
até o teto. Sempre que via um cara entrando no water closet, se ela estivesse livre, corria para o WC do lado, para ouvi-lo mijando. O barulho do abrir e fechar dos zíperes a fascinava. Aos poucos, foi ficando mais aventureira. Não demorou muito até criar coragem e começar a subir na tampa da privada. Quem mijasse olhando para cima, daria de cara com uma cabeçona loira. Pensando nisso, passou a comprar daqueles rolinhos de privada com cheirinho, para que treinassem pontaria nele, olhando só para baixo.
Um dia parou para pensar no tanto que se arriscava nessas peripécias. Principalmente no tanto que arriscava seu emprego. Parou? Claro que não. Simplesmente, ao invés de botar a cabeça, abriria o celular de flip e colocá-lo-ia em cima do muro, estrategicamente direcionado. Estava tomando proporções de superprodução. Se alguém visse, tinha justificativa:
- Não, é porque eu tava falando no celular aqui no banheiro e eu precisei lavar a mão. Como aqui tá tudo sujo, molhado, viscoso, achei melhor colocar ele aqui em cima, sacou, véi?
Tem um arsenal de fotos tiradas por ela em seu computador pessoal. Umas 80. Nunca parou para vê-las. Conforme explicado, era mais um vício e não havia conotação sexual naquilo.
Algumas vezes, pagou pela tara. Apesar de gostar de ver os outros sem roupa, Sônia não é exibida. Tanto não é que costumava usar daquelas saias indianas arrastando no chão e não mostram nem o tornozelo. Em uma das vezes que foi ao shopping comprar um rolinho/alvo para seus colegas e alunos, estava usando uma saia dessas. A Pipi Feliz fica no segundo andar. Pois bem, eis que, ao subir na escada rolante, a saia da Sõnia agarrou bem na frestinha (da escada, não dela) e o mecanismo começou a puxar aquele pano. A saia estava descendo e o shopping estava lotado. Além de todo mundo ver o desespero de Sônia no duelo com a escada rolante, de quebra viam a bunda dela. Fora isso, tinha gente subindo na escada no momento do ocorrido. Com aquela moça seminua empacada no meio do caminho, começou a haver um engavetamento de gente. O pessoal se acotovelando, caindo em cima da pobre moça, que a esse ponto já estava com a saia no joelho. Ficou pelada, enfim. Quer dizer, pelada não. Pegaram ela no final do ciclo das calcinhas. A merda foi acontecer justamente no dia da calcinha furada e de elástico relaxado. Mas era tão confortável! Ouviu uma senhora cochichando:
- Mas gente como é que uma moça tão bonita tem coragem de usar um troço desse!
Saiu correndo para o banheiro. Lá, pegou o máximo de papéis higiênicos que pôde, umedeceu para poder juntá-los melhor, e fez outra saia. Saiu de lá desfilando. Uma estudante de moda viu aquilo e pensou: “Interessante”. Sônia passou na primeira loja que pôde e comprou uma saia nova. E uma calcinha nova. E um rolinho de privada.
Desde então passou a usar somente aquelas calcinhas que não teria vergonha de mostrar numa noite de romance. Traumatizada, passou a investir seu dinheiro mais em lingerie do que em roupas.
Em outra ocasião, quase um ano depois, Sônia estava dando aula quando começou a sentir uma incontrolável dor de barriga. “Merda, ainda faltam 40 minutos pra acabar a aula!”. Começou a soltar uns peidos e ficou na esperança de que os alunos achassem que fosse um outro colega. “Ah gente não é possível que uma professora tão bonita como essa solte uns peidos tão fedidos”. Sim, é possível. A coisa tava ficando incontrolável. Sônia já estava sentindo a marmota com a cabeça para fora da toca. Foi aí que disse:
- People, let´s make a conversation exercise…ui…pick a partner and ask them how their week was…ui…and remember to always speak slowly so your partner can understand what you are saying…ui.
Entrou correndo no banheiro e ligou a máquina de churros. Apoiou os pés na parede para dar uma abertura de diâmetro maior e tomou cuidado para que não ouvissem seus gemidos da sala. Porém, os papéis higiênicos que outrora a salvaram agora a deixavam na mão. Literalmente. Não havia nenhum. Não tinha jeito; teria que se lavar na pia. Tirou toda a roupa e a colocou em cima do porta-papel higiênico, que agora estava vazio. Sentou-se no bojo e começou o tcheco-tcheco. Secou-se com uma toalhinha de mão; deu descarga; esbarrou na calça; a calcinha caiu no vazo e foi pelo cano. “Caralho! Essa calcinha não! Essa é cara! Peça de sex shop, véi!”.
Dois detalhes da cena que não foram mencionados: Sônia estava menstruada e usando com uma daquelas calças brancas de algodão (saia indiana nunca mais!). Ia escorrer tudo. Abriu a bolsa, desesperada, no encalço de alguma coisa que...que...alguma coisa! Uma fita isolante! Não sabia como aquele troço foi parar ali, mas foi o que surgiu. Usou lá em baixo, juntando um lábio no outro. Como aquilo se desprendia muito facilmente, teve que colocar até na vulva, para dar mais firmeza. Vestiu-se de novo e voltou para a sala. De calça branca e sem calcinha. Toda hora a calça agarrava na frestinha (desta vez dela e não da escada). Estava com o boi na grota.
- So people, now each one of you is going to tell me how your partner’s week was.
O pior de tudo foi uma coisa que Sônia nem percebeu: Com a calça branca, aquele troço preto por baixo estava parecendo pêlos pubianos. Naquele dia os alunos não conseguiram prestar atenção na aula. Paradoxalmente, o número de alunos homens triplicou desde então E ela notou que as meninas começaram a usar saias feitas de retalhos de um tecido muito fino, muito parecidas com papéis higiênicos.

quinta-feira, 25 de setembro de 2008

Carta aos eleitores de Tio Didi - O candidato que faz você ri


Hoje eu quero falar com você eleitor. Aliás, eleitor não. Permita-me chamá-lo de amigo. Sou do Partido da Unidade Mundial; o PUM. Nosso partido é contra o voto nulo, mas, caso você esteja realmente decidido em anular o voto, vote na nossa legenda. O número é fácil: 69. É só lembrar do marido brigado com a mulher. Disseram também que tem uma posição sexual com este nome (mas que PUM e a tal posição sexual não combinam). Aliás, muitos eleitores que tentam anular o voto acabam votando em um candidato do PDT. Todas as eleições um dos mais votados é o 12345. Veja, nosso partido é um partido sem muitos recursos. Note que o cartaz do nosso candidato a vereador foi feito no Paintbrush (assim como o logo deste blog) e a foto foi tirada em um buteco qualquer da nossa querida BH. Veja a sede do nosso partido:


É por isso que pedimos a contribuição de você que acredita nas nossas idéias. Clicando em um valor qualquer no alto à direita desta página ou comprando a rifa de um Escort XR3 por apenas R$5,00 você estará nos ajudando a levar nossas idéias adiante. Vamos limpar esse buraco sujo (falo da cidade, não do cu)!
Nós do PUM pensamos tanto em você, eleitor e amigo, que nem ocupamos tempo no horário da televisão. Sabemos a maioria não gosta do humorístico e quer que comece logo a novela das oito (nove). Até nisto a gente pensa em você. Ficamos tristes quando vemos na propaganda depoimentos assim:
- Ah, eu vou votar no Marcos Lanterna, porque ele tem as melhores idéias.
Não se iluda, meu amigo. Ele não tem as melhores idéias. Simplesmente é o único que tem tempo de TV para expô-las. Se outros dispusessem de igual tempo, mostrariam idéias muito mais do caralho.
A propósito, é impressionante como existem tantos candidatos e todos eles achando que têm chance de ganhar. E, como o tempo no ar é curto, às vezes não falam nada. Toda vez que vejo um cara destes no horário eleitoral, fico prestando atenção pra ver se ele pisca os olhos. Nunca sei se eles colocam a foto ou se filmam o candidato com cara de pastel, enquanto o narrador fala:
- Vote no João do Biscoito Quebra-quebra!
Ele pode ser popular na região onde mora, mas, a não ser que todo mundo da cidade vá à barraca dele comprar biscoito, não tem a menor chance. Mesmo que dê biscoito de graça para todo mundo. Um recurso que eles usam para ficar na cabeça do eleitor é usar uma riminha biscate:
- Vote com fé, vote em Luis Tibé.
Por falar em TV, é realmente um verdadeiro esbanjamento de dinheiro público aquelas propagadas sobre voto consciente. Oh sim, ter um prefeito ruim é como ter um mosquito dentro do ouvido ou ficar sapateando por quatro anos. É a mesma coisa. Excelente metáfora.
O que mais tem nos entristecido neste processo é que ainda existem pessoas que não acreditam na nossa candidatura:





O PUM, apesar do nome, é contra a poluição sonora e visual. Jamais você nos verá em carreatas pela cidade ensurdecendo moradores e comerciantes com frenéticas buzinas ou com jingles safados parodiando “A Festa”, de Ivete Sangalo. Faça como nossos (um) representantes: Quando vir uma dessas carreatas, emburaque-se nela (ui!) e mostre para todos o gesto do nosso partido (está no cartaz). Por acaso eu vou votar em algum candidato porque ele está me ensurdecendo? Não emporcalhamos ainda mais a cidade com cartazes e santinhos. Mesmo porque a prática é ilegal. Se alguém te oferecer um santinho destes na rua, faça como nossos (um) candidatos: Puxe o santinho da mão dele e diga:
- Olha, isso é ilegal, viu?
E faça uma cara bem amarrada. Ou então faça uma bolinha com o santinho e jogue na frente da pessoa que o está distribuindo. Se você for tímido, simplesmente finja que está falando ao telefone e que a ligação está ruim. Se for no trânsito, olhe para o distribuidor de santinhos, feche o vidro do carro e, assim que ele passar por você, abra o vidro do carro de novo. Sempre com a cara amarrada. O dia da eleição muito pior. Não dá pra ver a cor do asfalto. Isso porque boca de urna é ilegal. Lembra daqueles sorteios de programas infantis em que se tinha uma montanha de cartas e a apresentadora jogava um tanto e pegava uma? Dá pra brincar disso tendo-se os santinhos no lugar das cartas. Para mim, aquilo serve apenas para passar o tempo desenhando barba, óculos escuros, dente de vampiro, chifrinhos no candidato. Ainda mais se for o Marcos Lanterna, que tem a cara de capeta.
Convocamos todos para que levem sempre consigo um pincel atômico e façam como todos os nossos (um) afiliados: Escrevam ‘PORCÃO’ em letras garrafais em todos os cartazes de candidatos que encontrarem, para que vejam não podem emporcalhar a cidade para se auto-promoverem. O pior é que normalmente estes são os candidatos eleitos (já que só eles fazem propaganda). Se você não tiver dinheiro para comprar um pincel atômico, porque precisa do dinheiro para condução, pedimos então para que fique atento a qualquer trecho da Linha Verde onde o cimento ainda esteja fresco e siga o exemplo dos nossos (um) vereadores:


Não somos avessos à idéia de que as eleições sejam farsa. Pra início de conversa, você conhece ou já ouviu falar de alguém que tenha sido entrevistado sobre intenção de voto? É tudo balela, minha gente. Se é que realmente alguém foi entrevistado, como é que, de um grupo pequeno, se tira a conclusão de quem a cidade inteira vai votar? Essa história de margem de erro é uma das mais safadas invenções dos políticos. Principalmente com respeito a vereadores. Entrevistam 400 pessoas. Daí deve sair uns 350 nomes diferentes de vereador. Além de tudo, isso me parece trabalho de estagiário. Não custa nada esses estagiários terem respondido a tudo sozinhos em casa. Tá calor pra ficar na rua, né? Por isso muitas vezes vemos discrepância entre os números das pesquisas e o resultado oficial.
Eleitor amigo, não se iluda com as eleições eletrônicas. Dizem que o voto é seguro. Na verdade, pelo voto eletrônico fica muito mais fácil burlar uma eleição. Ou ninguém aí nunca ouviu falar em hacker? Os eleitores ficam lá fazendo papel de trouxas, achando que estão ajudando a eleger um candidato, sendo que a urna já está predeterminada a dar o número de votos que quiser a quem quer que seja. Ou você acha que Fernando Collor foi eleito senador porque a moçada acreditou que ele estava arrependido da cagada que fez?


Veja, já fui mesário e notei algumas coisas: Os votos são registrados em um disquete igual ao que você usava no seu computador. Ou seja, de qualquer computador pessoal alguém pode alterar os resultados. “Oh sim, não tem como burlar os votos do disquete. Ele tava com uma travinha contra gravação”. Pfff! Outra coisa que notei: Você entra na sua seção e mostra sua identidade. Seu RG é digitado numa maquininha que é ligada adivinhem onde? Na urna! Só depois que a maquininha dá um sinal é que a pessoa está liberada para votar. Resumo da ópera: Dá pra saber qual foi a ordem de eleitores que votou. Também dá para saber qual a ordem em que os candidatos foram votados. E ainda têm a petulância de falar que o voto é secreto. Tá, e eu sou o Bozo.
Você pode achar que é bobagem aquelas propagandas ensinando como é que se vota, aconselhando a fazer colinha e tudo mais. Mas você se impressionaria com o tanto de gente que realmente não sabe usar a urna ou que não sabe o número do candidato que deseja votar. Caso real:
Eleitor, com camisa do PMDB:
- Quem que tem pra votar pra presidente?
O mesário:
- Olha, pra presidente tem o Lula, tem o...
- Ah é? E qual que é o número do Lula?
- 45.
- Tá, já votei. Agora apareceu aqui senador.
- Vejamos, tem o Hélio Costa, tem também...
- E qual que é o número do Hélio Costa?
Às vezes o mesário tem que ir dentro da cabine para ensinar o eleitor burro a usar a urna:
- Pode deixar que eu vou digitando. Diga aí em quem você quer votar.
Oh sim, o voto é secreto. Secretíssimo. Se o mesário quiser colocar lá o candidato de sua própria preferência no lugar do eleitor, este último nem terá sabido disso. É isso o que acontece quando as seções eleitorais são organizadas em “zonas”.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Alex Dhiego, seu escravo

E a produção do The Didi’s Abatedourus não para de receber cartinhas de leitores querendo ter sua história contada na seção ‘Aconteceu comigo’. Bem, na história de hoje infelizmente não vai dar pra usar pseudônimos, já que o nome dos personagens é fator cabal para a trama. Este foi com um xará meu, o Diogo.
Desde que tinha se formado na faculdade de jornalismo, Diogo só tinha conseguido trabalhar em subempregos (mais subemprego do que jornalista, acredite). Não parava muito tempo em nenhum deles. Primeiro porque sempre pagavam mal. Segundo porque a preguiça e a má vontade ajudavam para que ele fosse despedido rapidinho.
Em um dos empregos, era vendedor do tipo “porta em porta” de uma empresa de planos dentários, a Dent Pheliz.
Cansado de rodar igual peru tonto por toda a cidade sem conseguir vender sequer um plano, que era caro pra caralho, Diogo estava, tal qual uma vaca, cagando e andando para a empresa. Neste meio tempo, arranjou um bico transcrevendo fitas de áudio com entrevistas para uma pesquisa sobre – pasmem – planos dentários. Apesar de serem do mesmo ramo, um trabalho não tinha nada a ver com o outro, fora o assunto interessantíssimo.
O subemprego da transcrição de fitas estava rendendo um pouquinho mais do que o das vendas, além de ter a vantagem de se poder trabalhar em casa, conversando no MSN e tudo mais. Toda vez que o pessoal da Dent Pheliz ligava pra o celular de Diogo para saber como estavam as vendas do dia, ele pensava: “Caralho, eu não posso atender aqui dentro de casa senão o pessoal vai ver que eu tô fazendo é porra nenhuma. Vai que eu tô falando com a chefia e de repente o MSN faz ‘trululu’. E acho que essa música ligada na maior altura vai dar muito na cara também”. Ele desligava a caixa de som do computador, escancarava a janela do quarto e atendia o telefone de lá, para que o chefe ouvisse o barulho dos carros:
- Nossa, tô aqui no centro da cidade, acabei de sair da casa de um cliente e já estou indo pra casa de outro. Só hoje já visitei uns cinco.
Claro que esse emprego não durou nem dois meses. E como o trabalho de transcrição de fitas era temporário, Diogo voltou a ficar sem porra nenhuma pra fazer. Quer dizer, porra até que fazia muita. Mas sua principal atividade diária voltou a ser assistir Malhação.
Ficou assim por mais de um ano. Numa bela tarde, quando acompanhava emocionado a um dos triângulos amorosos do folhetim global, o telefone toca:
- Alou alou, é o Diego que tá falando?
O coceba ainda o corrige:
- Sim sim, é o DiOgo.
- Sabe a entrevista que você fez aqui na Pereira Empreendimentos?
“Caralho, Pereira Empreendimentos! Nunca ouvi falar desses filhos da puta. Mas eu fiz tantas entrevistas em tantos lugares nestes últimos meses que é até capaz de eu ter ido nesse lugar e não me lembrar.”. Ele responde:
- Entrevista é? Olha rapaz, me refresque a memória.
Seu Pereira, estranhando aquilo:
- É, a nossa empresa fica aqui na rua Coronel Sebastião. Já se lembrou?
- Oh sim, me lembro pra cara...mba.
Tudo cascata.
- Pois é, rapaz, a gente ta precisando que você comece aqui na segunda. Você pode vir aqui amanhã fazer um treinamento?
“Merda, vou ficar sem saber se o Léo vai descobrir que a Juliana estava tentando separar ele da Clara”.
- Acho que vai dar pra encaixar, sim.
Desempregado, Diogo só tinha dinheiro para a passagem de ida. “Bem, vou lá, vejo qual é a desse emprego e volto a pé. É só descida do centro até aqui em casa, mesmo”. Marcaram para as nove da manhã. Porém, naquela mesma manhã deu caganeira em nosso herói. “Acho que foram os churros de ontem”. Ele só conseguiu chegar lá pelas dez horas, e ainda sentindo umas pontadas no cu. Chegando no endereço, teve a certeza de que nunca esteve lá antes. Viu várias pessoas em trajes sociais, dentre eles um cara de cavanhaque, camisa aberta, correntes e pulseiras de ouro. “Só pode ser o tal Pereira”. Direcionando-se ao biscate:
- Bom dia, me ligaram ontem a respeito de uma vaga.
- Ah sim, o Diego. Mas eu combinei com você foi às nove, não foi?
- Oh perdão, é que eu passei mal hoje de manhã. Acho que é esse tempo chuvoso, sabe?
Vendo a cara de sofrimento e a dificuldade de andar do candidato:
- Mas você está bem? Pode começar hoje?
- Uaomgh, com certeza.
- Aqui, vai com o Jefferson pra você ver como é que é o trabalho.
“Que bom, o tal Jefferson também tem cavanhaque. Parece que só tem picareta neste lugar. Acho que vou me dar bem aqui”. No treinamento daquela manhã, Diogo descobriu que o trabalho na Pereira Empreendimentos seria também do tipo venda “porta em porta”, desta vez de planos para celular. Porém, nesta empresa, davam para o cargo o pomposo nome “consultor de vendas externas”. No final do expediente, voltam para o escritório e o biscate-mor de novo chama Diogo à sua mesa:
- Sente-se aí, meu jovem, vamos analisar o seu currículo. Aqui diz que você era consultor de venda externa do Guaraná Xupisco. Quanto tempo você trabalhou lá?
Guaraná Xupisco. Ele nunca tinha trabalhado em nenhuma empresa com o nome tão gay assim. É nessa hora que Diogo olha para o papel nas mãos do Seu Pereira. Nem era o tipo de letra que ele usava em seu currículo. Diogo era fã de Courier New, e aquilo ali claramente era Times New Roman. Ele olha para o nome no alto da folha: Alex Dhiego. Um pouco mais abaixo o telefone do infeliz: 555-6969. O telefone do Diogo era 555-9696. O engano estava explicado.
“Mas por que será que não me ligaram perguntando pelo Alex? Será que é uma prática comum entre os biscates ficarem chamando o outro pelo segundo nome? Como você se chama? Muito prazer, meu nome é Morais. Não obstante, ainda tascaram um ‘H’ no sobrenome do cara. Mas eu não vou deixar essa chance passar nem fudendo. Qual é a probabilidade de ter alguém com o nome e o telefone tão parecido assim com o meu? Ainda mais oferecendo emprego? Ainda mais em um ramo que eu tenho experiência. Ainda mais quando eu estou a vários meses desempregado. Tudo isso é obra do destino.”.
Fez mais duas horas de caminhada de volta para casa naquele dia, com trajes sociais. Diogo trabalhou mais um ano naquela empresa como impostor. A vida inteira ele estava acostumado a corrigir as pessoas que o chamavam de Diego. Não seria difícil. Não quis nem saber o que foi feito do tal Alex Dhiego, mas umas duas vezes que viu uma proposta de emprego, mandou para o e-mail que tinha visto naquele currículo.
Se você também quer que seu caso seja contado aqui, mande um e-mail para a gente: torresdiogo@hotmail.com.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Puta que pariu, puta que pariu, puta que pariu

Nêgo que não nasceu para a malandragem é foda. O seguinte caso aconteceu faz uns sete anos com outro amigo meu. Quer dizer, amigo de um amigo. Eu nem conheço o cara. Hummm, chamemo-lo de “Pedro”. O Pedro namorava uma menina, até bonitinha, fazia uns dois meses. Bonitinha, porém mais sem sal do que comida de hospital (acabei de inventar essa). Chamar-la-emos de “Carla”. Os dois haviam se conhecido no carnaval. Estavam na mesma república e, conversa vai, conversa vem, descobrem que fazem faculdade no mesmo prédio, porém ele de manhã e ela à noite. O Pedro, que não era muito chegado em refeição hospitalar, começou a pensar: “Bem, na primeira oportunidade que eu tiver, eu termino com essa baranga. Por enquanto, vamo empurrando (em todos os sentidos)”.
Certo dia, nosso herói saiu com os colegas de sala para uma festa do prédio da faculdade. A namorada não quis ir junto. Uma das coisas que mais chateavam Pedro na relação era a freqüência com que esse tipo de coisa acontecia. Durante a festa ele conheceu a amiga de um dos colegas, a Isabela. Também estudava no prédio, só que esta no mesmo turno de Pedro. Estatisticamente falando, 100% nossos personagens estudavam comunicação (o mundo está perdido
). Pedroca até conhecia Belinha de vista: Meio gordinha, corcunda, parecia que tinha assaltado o guarda-roupa da vovó, deixava aparecendo uma lingerie bege, uma bunda de formato estranho, e uma voz que lembrava algo a Pedro, o que era mesmo, gente? Oh sim, era uma mistura do Geléia, do Caça-Fantasmas, com o Thunderbird (o gênio da comunicação, não o carro. Bem, quando ela tossia até que lembrava o motor de um Thunderbird 1955). Em outras palavras, a esquisitinha tinha todos os predicados para virar a cabeça de qualquer homem. Mas resolveu dar bola para o Pedro.
Cara honesto que era, ele não ficou com a menina, mas ficou encantado. “Agora sou 100% Isabela na cabeça e no coração. Tenho que terminar com a Carla o mais rápido possível”. Esse tipo de coisa tem que ser feita ao vivo, não dá pra ser por telefone. E por várias vezes naquela semana o Pedro tentou se encontrar com Carla para terminar tudo, mas sempre acontecia um imprevisto que impedia o embate. “Ah, hoje eu estou cansada. Ah hoje eu tenho que estudar para a prova de amanhã”. Parecia existir uma força sobrenatural evitando o encontro. Enquanto a conversa com Carla não acontecia, Pedro ia tendo pequenas trombadas propositalmente acidentais com Isabela nos corredores da faculdade. Ficava dando voltas nos três andares da edificação até ver aquela figura encantadora:
- Ô menina, você estuda aqui mesmo. Você não estava mentindo.
Conversa de joão-sem-braço do caralho. E o coração do jovem mancebo batendo cada vez mais rápido cada vez que via a vovó de 22 anos. Em um dos casuais encontros com Isabela (“ô menina você por aqui. Você estuda aqui e eu também. Que coisa”), a moça convida Pedro para uma festinha. Imagine a mulher por quem você está apaixonado te convidando para uma festa. Você recusaria? Com um fingido desinteresse, ele responde:
- Beleza, beleza, beleza. Estarei lá.
Trocaram telefones e tudo mais. Bem, tecnicamente, não havia nada de errado em ir para uma festa com uma amiga. Na tarde do dia da festa, Carla liga para Pedro, novamente marcando um encontro para depois da aula dela, num boteco copo sujo do lado da faculdade. Já foi mencionado que a bela moça estudava de noite. Bem, Pedro não podia perder essa oportunidade. Se ele terminasse o namoro com a Carla mais cedo, ele estaria liberado para dar um créu na Isabela mais tarde, com a consciência limpa. Metódico, ele fez a programação da noite: Às nove horas terminaria com a Carla, “você merece alguém melhor, o problema não é você, sou eu, e blábláblá”, e lá pelas onze estaria com Isabela na festinha.
Ele não andava muito com celular. Segundo ele, sempre que andava com o aparelho no bolso, parecia que estava de pau duro (lembre-se do tamanho dos aparelhos nos idos de 2002, época do acontecido). Porém, uma situação dessas requeria que o tijolo fosse levado, como o intercomunicador de um espião. Era só colocar no modo “silencioso” e discretamente escondê-lo na cueca, como se fosse mensalão. Qualquer coisa, sairia estrategicamente para atender. Pedroca pega o ônibus e faz aquele trajeto, ao qual ele já estava acostumado, porém de dia. No meio do caminho Carla liga e aquele volume na cueca de Pedro começa a vibrar. Os passageiros olham torto para Pedro, menos uma senhora, que admirada pensa: “Aiai, queria que o pinto do meu marido vibrasse que nem o deste rapaz”. Ele não queria que Carla soubesse que ele estava levando o celular,
mas a situação estava ficando constrangedora naquele ônibus lotado. Pedro então finge tossir, se curva, bota a mão no saco, pega o celular, tira uns pentelhos suados do aparelho e aperta o talk:
- Pê...bzzz...tem problema se as meninas...bzzz...forem no boteco com a gente...bzzz...?
“Merda!”
- Bzzz...claro que não...bzzz.
Não ia dar para dar um 'finish her' ali na frente das amigas. Como ele ia fazer? Se aproveitaria de uma possível ida de Carla no banheiro? “Ô gente, vocês me dão licença um instantinho que eu só vou ali terminar com a amiga de vocês”. Não sairia vivo dali. É, teria de ficar para uma outra oportunidade. “Bem, hoje então eu só vou sair como amigo da Isabela, mesmo”. A tensão era palpável. A qualquer momento o celular poderia tocar com Isabela ligando. Foi o que aconteceu:
- Mocinhas, aqui ta muito barulhento, deixa eu ir lá fora pra eu escutar.
Era a amada querendo confirmar a presença do rapaz na festa. Minutos depois ele volta para a mesa.
- Era mamãe. Mas aqui gente, vamo embora?
Não satisfeito com toda aquela cachorrada, ele ainda pegou carona com uma das amigas de Carla para chegar em casa a tempo. Corre para casa, chupa uma balinha, veste uma roupinha melhor, pega outro ônibus, agora para encontrar Belinha. Chegou na festa meio esbaforido, mas aquela mulher era capaz de acalmá-lo de uma maneira su
rpreendente. Realmente ela tinha um ar meio de vó. Conversa vai, conversa vem, a mulher acidentalmente enfia a língua dentro da garganta de Pedro. Ele nunca havia traído em sua vida, mas imagine se você não gosta mais de sua namorada e a boca da moça por quem você está apaixonado vai parar justamente na sua (boca)? Você recusaria? Se ele contasse a verdade, provavelmente perderia Isabela para sempre.
A ânsia por um match point com Carla se fazia cada vez mais urgente, mas os desencontros continuavam. Por exemplo, por uma falha de comunicação (ironicamente, comunicação era o que nossos três vértices do triângulo estudavam), Carla pensava que o encontro ia ser na segunda, e Pedro tinha certeza de que tinham marcado para quarta.. Onze horas da noite de segunda, a Carla liga na casa de Pedro, puta (de puta ela só tinha mesmo a raiva, outra coisa que decepcionava Pedro no namoro):
- Caralho, Pê, a gente não tinha marcado de se encontrar hoje?
Podia se ouvir nitidamente a Carla bufando do outro lado. Pedro respondeu, com a firmeza de quem sabe o que está falando:
- Mas hein?
No fundo, ele pensava: “Filhota, você não imagina o tanto que eu quero te encontrar o mais rápido possível para acabar de vez com essa palhaçada”. Já que a merda estava feita mesmo, Pedroca e Belinha saíram mais umas três vezes naquela semana. Uma coisa estranha entre eles era que viviam um relacionamento duplo: Se encontravam na faculdade e se tratavam como amigos. Cumprimentavam-se com um soquinho no ombro e tudo mais. Horas depois, botavam a língua um na boca do outro. Nosso herói já considerava Isabela como sua futura namorada e ia se esquecendo cada vez mais que ainda não tinha terminado com a Carla. As pessoas perguntavam, quando encontravam com Pedro:
- Mas e a Carlinha como é que está?
Ou então:
- Aqui, a gente ta indo pra um sítio nesse final de semana. Leva a Carlinha.
E Pedroca, sempre com a mesma precisão:
- Mas hein?
“É mesmo gente, eu ainda namoro a Carla”, pensava. Conversou algumas vezes com a oficial no telefone, mas era uma coisa muito esquisita. Ele se sentia como se o namoro tivesse já acabado, apesar de Carla nem fazer idéia disso. Já fazia uma semana e meia que Pedro estava levando essa vida tripla.
Nosso latin lover levou Isabela para ver Jackass, um filme romântico, numa terça feira. Na quarta, o rapaz ficou dando volta nos corredores da faculdade para dar um encontrão na moça (sim, mesmo com eles ficando, ainda era necessária essa viadagem): “Pois é menina, ontem você tava lá no cinema, eu também, a gente se pegou e pá...”. Até que sua mochila começa a vibrar, tocando uma sinfonia de Chopin. Ele bota a mão dentro da Sansonite. Novamente, era a inconveniente Carla:
- Oi Pê...bzzz...você ta na faculdade...bzzz...?
Delicadamente, responde:
- Bzzz...Estou, porque?
- Ah, eu estou aqui também...bzzz...vim fazer um trabalho com as meninas...bzzz...vem aqui no primeiro andar me encontrar...bzzz.
Com a voz trêmula:
- Tááá...bzzz.
“Fudeu! Puta que pariu, puta que pariu, puta que pariu, esse prédio é todo aberto, não vai ter como a Belinha não ver a gente! Puta que pariu, puta que pariu, puta que pariu, deixa eu me esconder aqui no banheiro pra pensar melhor. É hoje que eu pago pelos meus pecados! A Carla com certeza vai querer me dar um ‘oi’ com um beijo na boca! Com certeza vai querer ficar de mão dada! To fudido! Se nossos nomes fossem compostos, eu juraria que estou numa novela mexicana. Puta que pariu, puta que pariu, puta que pariu!”.
Depois de dar uns dez peidos, ele cria coragem e sai do banheiro. De longe ele vê Isabela no corredor onde ele teria que passar para encontrar Carla. A vovó o avista e sorri, mas tudo que ele pôde pensar foi passar por ela correndo, com os dedos no ouvido, cantando:
- Lá lálá lálálá lálá.
Ele desce a escadaria, avista na porta a namorada, que já vai estendo a mão para ele e fazendo bico de beijo. Ele a cumprimenta com um tapão no ombro, que quase a derruba. Isabela estava três andares acima, mas Pedro era muito cagão. Instintivamente, ele vai conversando com Carla e andando ao mesmo tempo, sem nem encostar na namorada. Ele se lembra porque estava caminhando naquela direção:
- Vamos ficar sentados aqui debaixo dessa escada?
- Olha Pê, o que é que está acontecendo? Você está mais distante comigo.
Pedro, sempre eloqüente:
- Pois é né, menina.
Conversa vai, conversa vem e ela já está lacrimejando e tremendo:
- Acho que a gente não deve ficar mais juntos.
Mal disfarçando o alívio, ele pega no ombro da moça, pisca um dos olhos e aponta o dedo para ela:
- Quer saber menina, acho que você tem razão.
Os dois se despedem. Carla, desnorteada:
- As meninas já devem estar me esperando.
Pedro, sempre sensível:
- Te vejo por aí, beibe.
Ainda meio zonza Carla quase bate a cabeça na parede. Pedro sai correndo como um foguete do prédio e pega o primeiro ônibus de volta para casa, com o coração na boca e a cabeça a mil por hora. E olha que ele ainda teria mais duas aulas naquele dia, sendo que uma delas com atividade em grupo valendo 20 pontos (faculdade de comunicação é assim mesmo). Mas ele não podia abusar ainda mais da sorte. De noite, recebe uma ligação de Isabela:
- Você está chateado comigo? Porque você me viu no corredor e saiu correndo daquele jeito?
- Hoje, é? Você estava no corredor, é? Menina, sabe que eu nem vi? Estava sem meus óculos.
- Você me disse uma vez que não usava óculos.
- É que uso lentes. Eu falei que não uso óculos, mas lentes eu sempre usei.
Pedro nunca tinha usado lentes na vida porque achava aquilo a maior viadagem. Ficaram mais dois meses naquela relação “amigos de dia, amantes de noite”. Não evoluíram em nada. Começou a bater aquela saudade da Carlinha. Ô Carlinha, bonitinha! Pelo menos a Carla queria namorar. Era tarde demais.

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