segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Estatuto do idoso? Pode enfiar no seu cu

Bem, aqui está a primeira parte da história. Para não deixá-la sem conclusão, eis o que aconteceu depois:
Nós paramos em eu precisando arranjar uma porrada de documentos para dali três semanas. Primeiro, eu precisava dos orçamentos de três oficinas diferentes. Separei uma gostosa manhã de agosto e dei uma passeada pelos lanterneiros do bairro. Também passei no supermercado, mas isso não tem nada a ver. Para melhor poder de escolha, fui em cinco oficinas. Nuuu! Metade falou que dava para recuperar a peça; metade falou que teria que se comprar um nova. Aos que falaram que dava para recuperar, eu disse:
- Dá pra fazer um orçamento com peça nova também?
Eles queriam me ajudar. Deram preços camaradas e tudo mais, mas eles não entendiam que meu objetivo não era qualidade ou preço, mas sim de fuder os Carvalhais. Com areia. Podiam até fazer um serviço porco, mas desde que saísse bem caro. Eu ainda fui um jegue de não ter ido em mecânica autorizada.
Os preços variavam muito. Iam de R$200,00 a R$500,00. É isso mesmo, essa briga toda foi por causa dessa picuinha. Além dos orçamentos, eu precisava de uma porra chamada “print”, que eu nem sabia o que era, mas que tinha que pagar dez conto por ela. Fui à delegacia do Detran pegar o tal “print”.
Quem me atendeu era um cara usando luvas amarelas e uma calça bege. Largou a vassoura para me atender. Imprimiu uma folha com os dados e endereço da pessoa que bateu no meu carro. Dez conto por isso. Interessante. Era isso que eu deveria ter feito desde o início ao invés de ficar procurando o cara no Orkut. Fica a lição. Um cara da delegacia parabenizou o faxineiro pelo trabalho. Fiquei feliz em ver a seriedade com que a polícia trabalha.
Documentos em mãos, algumas semanas depois voltei ao tribunal. Uma mocinha sorridente conferiu os documentos e me falou que o orçamento que ia valer seria o mais baixo dos três que apresentei. Sacanagem. Eu sou obrigado a levar meu carro num mecânico barato? A audiência foi marcada para dali um mês:
- E chegue meia hora mais cedo, senão o juiz vai achar que você desistiu e vai te cobrar uma taxa de R$30,00.
- Ui!
Nossa. Até o dia da audiência, teria feito dois meses que a batida tinha acontecido. O próprio acusado já teria se esquecido de tudo: “Mas hein? Eu bati num carro é?”. Mas tudo bem, agora eu tinha pretexto para faltar um dia de trabalho. Deixaria meus alunos vendo uma reprise de Trânsito Muito Louco.
Muito bem, eu ainda precisava de uma testemunha do ocorrido. A pessoa não precisava necessariamente estar no local na hora do acidente. Só precisaria saber da história. No dia da audiência passei no trabalho do meu irmão e o levei comigo. No caminho, fui repassando com ele todos os acontecimentos do fatídico dia:
- Nós estávamos saindo de um bar ali perto, mas eu não bebi nada, pois ia dirigir. De repente nós vimos aquela máquina infernal...
Chegamos vinte minutos antes. É meio esquisito eles fazerem as partes acusadas e acusadoras ficarem meia hora esperando no mesmo corredor. Todos calados e se comendo com os olhos. Os minutos não passam com esse clima tenso. Algum tempo depois somos chamados para uma salinha com dois mediadores. Porém somente eu e meu irmão entramos. Vendo que Diogo era eu, um dos mediadores se vira para meu irmão:
- Você é o Jeovany?
Eu respondo:
- Não, este é meu irmão Leonardo. A dona Jeovany deve estar lá fora ainda.
- Ah! Jeovany é mulher?
- Pois é menina. Eu também fiz a mesma confusão.
Pouco depois na salinha nos encontrávamos eu, meu irmão, o patriarca e a matriarca dos Carvalhais, além dos dois mediadores, que eram as pessoas mais jovens dali. Legal: Estagiários. Mas tive um bom sinal. Um deles se chamava Diogo. Lindo nome. Quem sabe ele não tome meu partido, pelo bem da classe dos Diogos? Afinal de contas, ele entende as agruras de ser um Diogo no atribulado mundo moderno. Diogo virou-se para mim e disse:
- Pois bem, Diogo, me conte o que aconteceu naquele dia.
- Olhe Diogo, o que aconteceu foi o seguinte...
Depois de relatado o mesmo caso pela 15ª vez, Diogo (mediador) virou-se para seu José Carvalhais:
- O senhor confirma a história?
- Não. Primeiramente porque eu tenho provas de quem estava dirigindo o carro dele era uma mulher. E aqui está um laudo mecânico mostrando que não há nenhuma batida no meu carro. Eu sou uma pessoa muito íntegra e correta com as minhas coisas...
Confesso que fiquei receoso de ele mostrar ali um print screen do que eu tinha relatado neste blog. Vai que ele me pesquisou do mesmo jeito que eu o pesquisei? O velho tremia horrores enquanto tentava falar. Fiquei com medo de ele ter um troço ali mesmo. Medo de ele ir pro hospital e eu ficar sem meu dinheiro. Eu disse “tentava” falar, porque enquanto ele se explicava, eu me divertia interrompendo-o o tempo todo:
- O senhor tá se enrolando todo aí...onde ta escrito nesse papel aqui que quem estava dirigindo meu carro era uma mulher?...o senhor tá se enrolando todo...cadê o laudo da Chevrolet que o senhor falou que tinha?...e por que o seu filho não está aqui?...tá se enrolando todo...
- Meu filho não está aqui porque não foi intimado.
Essa é boa. Ele também não havia sido intimado e, no entanto, estava lá. E dizer que tinha laudo da Chevrolet era bem diferente de ter laudo do mecânico amigo de buteco. O mais legal é que nenhum de nós entendeu que aquilo era apenas uma audiência de conciliação. Falávamos como se estivéssemos na frente de um juiz. Não me lembro do nome da outra mediadora. Ela virou-se para seu Zé:
- Peraí, eu não estou entendendo. Como o senhor alega que quem estava dirigindo o carro dele era uma mulher, se não houve batida?
Realmente. Meu carro estava sendo dirigido por uma mulher na hora em que o que aconteceu? Nada? Até então nem eu nem ele tínhamos prova de que tinha ou não acontecido uma batida. Mas o velho escorregou nessa daí.
No dia da batida, Viviana era quem tinha descido do carro, agitando os braços, aos gritos de “filho da puta”. Daí talvez tenha vindo a confusão. Bem, também já sabíamos que o filho daquele senhor não sabia diferenciar muito bem homem e mulher. Mas eu, burramente, ao invés de deixar o velho se enrolar sozinho, não me agüentei e disse:
- Você não vê que esse véio tá mentindo?
Pra que? Seu José se inflamou de verdade, tremendo igual uma gelatina:
- Olha, você me respeite. Eu sou protegido pelo estatuto do idoso. Aqui não tem moleque não.
Claro que ali não tinha moleque. Exatamente por isso eu o tinha chamado de “véio”. Inflamamo-nos tanto que foi necessário que policiais entrassem na sala e interviessem:
- Olha, aqui todo mundo tem nome. Vamos chamar o outro pelo nome. Se vocês não se acalmarem, a gente vai ter que levá-los para uma outra salinha.
Vendo a bola de neve em que aquilo poderia se tornar, tratei logo de pedir desculpas. Mas seu José fez questão de mencionar o estatuto do idoso mais umas três vezes para mim, para os mediadores, para o policial. E eu:
- Estatuto do idoso? Você pode enfiar ele no seu cu.
Não disse isso em voz alta, mas repeti mentalmente diversas vezes. Afinal de contas, qual era o problema de eu ter falado aquilo? Ele era mesmo velho e estava mesmo mentindo. Seria mais correto eu chamá-lo de “rapazinho”? Aquele cara era cheio de amparos jurídicos furados: Era conversa telefônica gravada, era laudo da Chevrolet, era o estatuto do idoso...A mediadora, vendo que não ia ter como entrar em acordo:
- Olha, a dona Jeovany terá quinze dias para apresentar uma defesa. Depois disso, você Diogo terá mais dez dias para impugnar esta defesa, o que nada mais é do que você tem feito até agora. Aí sim vocês irão para a juíza.
Conte comigo: Contei a história na polícia, para fazer a ocorrência. Depois a contei quando fui à casa dos Carvalhais tentar um acordo. Depois a contei quando fui no tribunal dar início no processo. Depois a contei aqui no blog. Depois a contei no dia em que entreguei os documentos necessários. Depois a repassei em detalhes com meu irmão, no carro. Depois a contei na audiência. Tudo isso fora as vezes em que tive que repetir a história para meus amigos.
Eu já estava ficando com saco cheio daquilo. E ainda iam marcar outra audiência para dali mais um mês. Dona Jeovany desde o início queria um acordo. E o seu José, ainda querendo manter a pose, mas desistindo:
- Olha, eu queria ir para a justiça, mas já que a minha mulher quer fazer acordo, vamos fazer esse troço aí de uma vez.
Fiquei decepcionado. Teria sido divertido ver aquele senhor se enrolando na frente da juíza. No início eu queria resolver tudo amigavelmente. Mas aquele velho tinha me deixado sedento por sangue. Como eu não tinha conta no banco, liguei para minha mãe para pedir o número da conta dela. Vendo que tudo estava perdido, dona Jeovany, que estava se segurando até então, começou a soltar:
- Olha, filho é uma desgraça. Eu tenho três. E todos eles só me dão trabalho. Sai na rua e dirige bêbado. Quando eu chegar em casa, ele vai levar um coro. Hoje em dia, eu vejo uma menina grávida, eu nem dou os parabéns. Eu dou meus pêsames.
Eu ouvindo aquilo tudo e segurando o riso. A mediadora:
- Desconta da mesada dele.
Haha, muito foda. Depois de tudo resolvido, eu e meu irmão fomos embora. Na saída, o policial sorri para a gente:
- Olha o estatuto do idoso, hein?
Nossa. O cara ficou o tempo todo do lado de fora só esperando para fazer a gracinha. Olhei para o relógio:
- Merda! Ainda dá tempo de dar mais duas aulas hoje.
Mas quer saber? Eu estava emocionalmente abalado. Melhor ir para casa e passar o resto do dia de folga. Ainda dava para ver Seinfeld. Quer saber mais uma coisa? Eu nem vou consertar meu carro. Vou embolsar tudo. Aliás, talvez eu nem pegue esse dinheiro na conta da minha mãe. Pode ficar para ela, como pagamento por todos os anos em que me criou. O meu objetivo era apenas tirar dinheiro daquele povo. E te digo que torço para que não paguem. Aí terei pretexto para voltar à justiça. Gostei da coisa. Quero fazer de novo.

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