Chinese Demora-se
Ainda na década de 90, algumas de minhas músicas preferidas do Guns eram proféticas. Em Pretty Tied Up: “Era uma vez uma banda de rock and roll/Vagando pelas ruas/O tempo passou e ela se tornou uma piada”. Mais espantosamente ainda, em 14 Years: “Foram 14 anos de silêncio/Foram 14 anos de dor/Foram 14 anos que se foram para sempre/E eu nunca terei de novo”.
Para quem não sabe, depois de 14 anos de cu doce de Mr. Rose, o Chinese está a venda. Nem parece, já que não vemos videoclipe passando na televisão, não se vê cartaz em lojas de música, muito menos se sabe onde o vocalista se encontra. Era de se esperar que um projeto desta magnitude fosse acompanhado de uma campanha de marketing igualmente megalomaníaca. Se Axl tiver desaparecido para sempre, esse disco se torna um clássico instantâneo.
Olha, o Chinese é um disco muito bom, mas ele deveria ter sido lançado lá em 90 e poucos. Ou mesmo poderia ter sido lançado agora, depois de anos de ostracismo de seu criador. O problema é que a produção do álbum está sendo anunciada a mais de uma década e este se tornou o disco mais caro da história. A expectativa era de que no mínimo fosse a última bolacha do pacote.
Fazia uns três anos que eu entrava quase todos os dias na internet obcecado por novas músicas vazadas. Confesso que, depois de ter saído oficialmente o disco, a coisa perdeu muito da graça. Ainda mais porque a maioria das canções já era conhecida dos fãs. Aliás, alguém sabe explicar como uma música vaza num blog qualquer? De que fonte esses blogueiros tiram as músicas? Por que nunca descobriram o funcionário do estúdio que as repassou?
Sei lá por quantos anos vazavam sempre as mesmas quatro ou cinco músicas, porém cada vez com uma mudançazinha besta. E elas vinham sempre em pacotes. Nunca vazava uma solitária ou todas as músicas do disco de uma vez. Às vezes vazavam com o áudio ruim ou então somente um trecho. Logo depois, vazavam inteiras e com o áudio bom. Porra, se as versões boas já existiam, por que não vazavam de uma vez? Dá pra desconfiar, não?
A última que eles inventaram foi vazar o disco inteiro, mas acrescentaram um barulhinho chato pra caralho de CD arranhado. Olha, se isso tudo foi estratégico, é a estratégia mais esquisita que eu já vi na vida. Mas deu certo. Nunca vi campanha tão forte para a compra do CD original quanto a dos gunners. Quase aderi, mas acabei optando pelo pirata mesmo, só para o Axl deixar de ser besta.
Também não ganharia muito com o CD original, já que o encarte parece feito nas coxas, com um monte de foto tirada da internet com tratamento de Photoshop. Não tiraram sequer uma foto exclusiva. Nem foto da banda inteira junta. Isso pra não falar da bicicletinha.
Todas as vezes que eu ouço o disco eu penso: “Porra, não sei como o pessoal não gosta desse disco, ele é muito foda. Belíssimas canções”. Agora, não cometa o erro de ouvir um da antiga formação logo depois. Verá que não tem comparação. Os discos Use Your Illusion I e II tem 30 músicas muito mais bem elaboradas do que as novas e foi feito em apenas três anos. Axl virou uma espécie de Dorival Caymmi, escrevendo uma música por ano (14 anos, 14 músicas). Entretanto, um crédito que dou ao novo disco é que todas as músicas mostram seu lugar no disco, enquanto nos Illusions claramente metade estava ali pra fazer volume.
Muitos criticam quem compara a nova com a antiga banda. Ora, mas tendo o mesmo nome fica difícil não fazê-lo. Aliás, é a maior cara-de-pau deste senhor manter o nome. Para isso, ele deveria manter os membros originais. Ou o estilo original. Não manteve nem um nem outro. Se não queria comparações, deveria dar outro nome qualquer. Mas do mesmo jeito que não concordo com a ruptura, também não queria que fizesse como o AC/DC, que sempre lança o mesmo disco, só diferenciando um do outro pelo nome.
Comparo o New Guns e seu disco novo com um automóvel New Beatle. Tem o mesmo nome do Old (Guns, Beatle), porém é infinitamente mais caro e não tem nem a sombra do charme original. Em muitas críticas que li, a palavra “datado” aparece ao se referir ao álbum. E é verdade. Não tem como pensar em outra coisa quando se ouve aquelas batidinhas eletrônicas. Porra, esse troço saiu de moda faz tempo, já. Sério, acho que mais da metade das músicas do disco tem batidinha eletrônica. E bem toscas, por sinal. Estão no nível das que eu faço aqui no meu computador, por diversão.
Ao mesmo tempo que esse disco pode soar superproduzido demais, as batidas eletrônicas dão um tom de amadorismo. Se fossem tiradas, as músicas melhorariam 50%. Outra coisa: As novas músicas são muito destoantes uma da outra, o que deixou o disco sem cara.
O Ganso nas Rosas era formado por cinco pessoas que não tocavam porra nenhuma, mas juntos tinham química como nenhuma outra banda. Vocalista desafinado, baterista “relojinho”, baixista tosco. Mas juntos eram perfeitos. Somente aqueles cinco caras podiam fazer aquele som. Cada membro tinha a sua personalidade própria, mesmo assim dando uma cara para a banda.
Quando vi a nova formação no Rock In Rio 3, achei que a preocupação maior de Mr. Rose foi de botar ali todo tipo de maluco. Tinha um gótico, um punk, um clubber, um cara new metal, um cara esquisitasso. Quis colocar muita gente na banda (oito membros) para suprir os antigos, o que acabou deixando a banda sem personalidade. Porra gente, isso é banda de rock. Dava pra tirar uns dois ou três membros dali facinho, facinho. Até agora estou sem entender o porquê de dois tecladistas e três guitarristas.
A essencia do rock and roll está na espontaneidade. O disco Apettite For Destruction tinha isso. Aliás, muitos estavam esperando um novo disco como o Apettite. Agora, um disco que teve mais de dez anos de produção pode ser tudo, menos espontâneo. Inclusive, se não fosse superprodução, eu me decepcionaria.
Todo mundo tem, entre as bandas favoritas, alguma que destoa totalmente das outras. E geralmente, mesmo que não seja a predileta, se é obcecado por ela. No meu caso, é o Guns. Quando era um adolescente punkinho, tinha maior vergonha de ser fã deles. Depois que a gente fica velho, deixa a viadagem de lado. E dá porrada em quem zoa a gente.
Acho que o maior motivo de as pessoas terem preguiça do Guns é justamente seus fãs. Boa parte só ouve eles e mais nada. Ou então ouve eles e também César Menotti e Fabiano (como alguns leitores deste blog). E, por o Guns ser uma banda popular, concentra muita gente burra. Dê uma passada na comunidade deles no Orkut agora. Aposto que você acha alguém falando asneira. Tópicos do tipo: “Guns é bom demais, né não?”. Não amigo, a gente tá aqui porque odeia eles. Gostamos de sofrer. Ou então alguém cria o tópico: “Qual é a melhor música deles?”. Porra, você não pensa que um tópico óbvio desses talvez já tenha sido criado? Isso pra não falar nos erros grotescos de português. Maldita inclusão digital.
A maior parte dos não iniciados só conhece o Axl e o Slash, mas o talento maior naquela banda estava em Izzy Stradlin, guitarra base. As melhores composições eram dele. Além de ele ser o responsável pela pagada rock and roll da banda. Apesar disso, o trabalho solo dele não é lá essas coisas. O de nenhum deles é.
A propósito, outro fator prejudicial da nova banda é que agora não ouviremos mais os outros membros cantando. A voz do Axl pode ser muito irritante às vezes. Apesar de a maioria associar o Guns às mega baladas tipo November Rain, era uma banda bem elética que tinha blues, country, metal, hard rock, punk, hardcore e progressivo. Aliás, a parte que eu menos gosto deles são as mega baladas. Apesar de ninguém fazê-las como eles.
Façamos um faixa-a-faixa do Chinese Democracy:
Chinese Democracy: Musiquinha sem graça. Mas com uma estrutura peculiar: Verso-ponte-verso-ponte. Não chega no refrão nunca, o que gera uma tensão interessante. Merece algum crédito por ter sido acrescentada na versão final uma guitarrinha que lembra o antigo Guns. E por terem tirado a bateria estilo White Zombie.
Shackler’s Revenge: A primeira vez que ouvi, pensei: Música do filme Mortal Kombat. Na minha opinião, a melhor do disco. Nunca ouvi rock industrial na minha vida, mas sempre gostei de música pesada. Se Oh My God (outra nervosa) tivesse entrado no disco, também estaria entre as melhores. A introdução parece o barulho de máquina de xerox. As guitarras são muito esquisitas, ou seja, legais.
Better: Musiquinha legal. Popinha. Mas no meio tem um monte de efeitos eletrônicos e solos de guitarra desencaixados. Ficou estranho pra caralho.
Street of Dreams: Pela última vez gente, essa é a antiga The Blues. Todos os dias na comunidade do Guns aparecia alguém falando: “Ué, cadê a The Blues, ficou de fora?”. E sempre alguém tinha que explicar que o nome foi mudado. Agora realmente é de se estranhar uma música ser conhecida de todos a vários anos por um nome e, em cima da hora, ter o nome título trocado. Sempre odiei essa música, mas agora tô começando a achar ela legal. Ficou bem encaixada no disco.
If The World: A música que mais destoa do resto de suas coleguinhas. Seria ótima para ser cantada por um daqueles intérpretes de vozeirão e que usam smoking. Mas não tem nada a ver com o timbre de Axl ou com uma banda de rock.
There Was A Time: Quando vazou, era a minha preferida. A melodia é tão bonita. Tem ainda as vozes dos coroinhas fazendo coral. Mas a letra contrasta totalmente. A abreviação do título forma TWAT (buceta). Daí dá pra perceber o conteúdo. O que acabou fudendo tudo na versão final foi a batida eletrônica.
Catcher In The Rye: Achava essa música linda antes. Agora nem tanto. Fecha a trilogia do nananana (Better e If The World são as outras). Pelo amor de Deus, pôr nananana numa música é muita biscatice.
Scraped: É isso aí. Scrap não é só o nome dos recadinhos do Orkut. Também é nome de música. Se a faixa de abertura do disco não se chamasse Chinese Democracy, esta deveria ser a primeira. É perfeita para isso. Axl tá cantando pra caralho nela, com um monte de variações na voz. Provavelmente a que mais se aproxima do que era a banda em Apettite For Destruction. Tem algo de Out To Get Me nela (as duas têm refrão sem melodia).
Riad N The Bedouins: Nunca gostei dessa música. Agora ela tá bem melhor, mas continuo não gostando. E os gritos de oh oh oh são o ó. Chatíssimos.
Sorry: Já ouvi essa música várias vezes procurando a voz do Sebastian Bach mas até agora não consegui ouvi-la. Li em algum lugar que essa deveria ser a música usada para se colocar a nova e a antiga banda no mesmo patamar. Não poderia concordar mais. Ela mostra como o Guns pode ser muito bom tocando um estilo bem diferente do antigo.
IRS: Se você repetisse o título várias vezes, ia virar risada de MSN. Para mim, parecia bem óbvio colocar uma bateria estilo Iggor Cavallera (papatumtum papatumtum). Não sei como eles não pensaram nisso. Talvez o sumiço de Axl seja para promover essa música: “Eu vou chamar o presidente/Vou chamar o detetive particular/Vou pegar o IRS/Vou precisar do FBI”. De qualquer forma, essa faixa é digna de um “skip”.
Madagascar: Não, não é cover da banda Reflexus (Madagascar/ Ilha, ilha do amor). Música linda. Seria mais bonita se não fosse a programação de bateria.
This I Love: Parece música de algum desenho da Disney. Algo que a Gata Borralheira cantaria no momento mais triste do filme. Mesmo assim, raras vezes vi alguém cantar com tanto sentimento.
Prostitute: Popinha, popinha. Pianinho safado. Ao terminar de ouvir o disco, dá vontade de colocar no “repeat”. O segredo está no tecladinho que tem no final dessa música, que dá a impressão de algo interminado. O disco vai crescendo dentro de você a cada ouvida.
Baixe ilegalmente o disco: http://rapidshare.com/files/170005782/GN_RCD2008.rar
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